Eles podem não dominar o mundo, mas com certeza já garantiram um espaço privilegiado dentro dos lares e também das despesas domésticas. Cães, gatos e outros animais de estimação se tornaram membros das famílias e introduzem novos itens nos orçamentos que vão muito além de ração, banho e tosa. Em Caxias do Sul, serviços como recreação, hospedagem, adestramento e atividades de lazer ganham força, ajudam a movimentar a economia local após os períodos mais críticos da pandemia e mostram o tamanho da mordida nesse mercado bilionário no cenário nacional.
Tutora do golden Leopoldo e dos gatos Mimoso e Mel, a coordenadora de inbound marketing caxiense Giovana Adami, 26 anos, reserva cerca de R$ 350 todos os meses para os cuidados com os animais de estimação. O valor inclui a aquisição de ração e a visita ao veterinário dos três bichinhos, além da compra de acessórios e brinquedos.
Antes da pandemia, quando o trabalho demandava dedicação presencial, Giovana deixava Leopoldo em uma escolinha para atividades de recreação durante alguns dias para não deixá-lo sozinho. Entretanto, quando passou a trabalhar em casa e de forma híbrida, ela cancelou a atividade. Além disso, também investiu em um serviço de adestramento ao cão. Devido ao porte do animal, a contratação de serviços acaba sendo um ajuda extra nos cuidados.
— Como ele toma bastante banho de piscina e gosta de água, a gente deixa mais livre e procura dar o banho no pet no final da temporada porque agora não vale muito a pena. E tem também a tosa higiênica, que fizemos de tempos em tempos, por causa da pelagem dele. O golden é um cachorro muito sociável, adora estar em parques e se diverte bastante — explica.
Os produtos e serviços oferecidos pelas empresas do mercado pet de Caxias têm um perfil diverso. É possível encontrar desde estabelecimentos tradicionais, como pet shops e clínicas veterinárias, até serviços especializados, como adestramento, hospedagem e recreação. Por isso, ganham classificações diferentes. Segundo dados mais recentes da Receita Federal, Caxias possui 620 estabelecimentos que oferecem algum tipo de produto ou serviço para pets. Somente para higiene e embelezamento, são 459 estabelecimentos (leia mais abaixo).
Além disso, outra movimentação observada é que há cada vez mais médicos veterinários atuando no mercado caxiense. Em quatro anos, segundo o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio Grande do Sul (CRMV-RS), o número de médicos veterinários credenciados ao órgão em Caxias do Sul saltou de 242 para 498. Em relação aos empreendimentos veterinários, que englobam consultórios, ambulatórios, clínicas e hospitais para animais, o aumento foi de 60%: saiu 101 em 2018 para 160 estabelecimentos em 2022.
— O número de clínicas veterinárias, consultórios e hospitais aumentou bastante em Caxias nos últimos anos. Isso se dá pela formação de um número muito alto de médicos veterinários a cada semestre, já que temos várias faculdades de medicina veterinária na cidade. A cada semestre vamos ter clínicas novas aqui na nossa região — analisa a médica veterinária Regina Costamilan, vice-presidente do conselho.
Segundo ela, que atua em Caxias do Sul, a maior demanda nas clínicas veterinárias envolve os serviços de castração e aplicação de vacinas. Em relação à imunização, ela lembra que as primeiras aplicações devem ser feitas logo nos primeiros meses de vida do animal: 45 dias para cães e 60 para os gatos. A realização de consultas e cirurgias variam conforme o estabelecimento. Regina recomenda aos tutores que esses serviços precisam ser feitos em clínicas credenciadas ao conselho e que exibem uma placa de identificação com o nome do médico veterinário responsável pelo espaço.
No ponto de vista nacional, o setor como um todo cresceu durante a pandemia. Segundo dados do Instituto Brasil Pet, em 2020, o setor de alimentação, serviços e acessórios pet faturou R$ 40,8 bilhões. A expectativa para 2021 é um crescimento de 22,5%, superando a casa dos R$ 50 bilhões. Os dados do ano passado ainda não foram contabilizados.
Em Caxias
- Comércio atacadista de artigos para agropecuária: 4
- Comércio atacadista de produtos farmacêuticos uso veterinário: 4
- Comércio varejista de medicamentos veterinários: 37
- Higiene e embelezamento de animais domésticos: 459
- Serviços veterinários: 116
Total: 620
Fonte: Receita Federal
O setor
- O Brasil tem a segunda maior população de cães, gatos e aves canoras e ornamentais em todo o mundo: são 144, 3 milhões.
- É o terceiro maior país em população total de animais de estimação:
55,9 milhões de cães.
25,6 milhões de gatos.
19,9 milhões de peixes.
40,4 milhões de aves.
2,5 milhões de outros animais. - O mercado pet representa 0,36% do PIB brasileiro. Está à frente dos setores de utilidades domésticas e automação industrial.
- Em 2018, a indústria de produtos para animais de estimação faturou R$ 20,3 bilhões.
- Em 2006, esse número era de R$ 3,3 bi.
Fonte: Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet).
“Recreação puxa outros serviços”, diz dona de clínica voltada aos pets
Nos últimos anos, as irmãs Juliane e Carla Bonella observaram uma mudança na preferência dos tutores dos animais que chegam até a clínica La Santé, que elas comandam há quatro anos no bairro Madureira. Se antes os serviços de banho e tosa eram os mais procurados, desta vez são as atividades de recreação que lideram a preferência dos clientes e seus melhores amigos.
— O cuidado com a higiene acabou ficando em segundo plano e agora a recreação é o que mais chama a atenção. Se tornou o nosso principal negócio e puxa outros serviços. Quem vem para a recreação acaba conferindo as vacinas, olhando acessórios, fazendo o banho e tosa — explica Juliane.
A escolinha, como é chamada, permite que o dono deixe o animal por um turno ou o dia todo sob os cuidados das recreacionistas da clínica. Nesse período, desenvolvem uma série de atividades especiais, que incluem circuitos, brinquedos e socialização com outros pets. Ao final, ganham até um boletim de desempenho. Para participar, o animal precisa ser castrado e estar com as vacinas em dia. O serviço avulso custa entre R$ 32 e R$ 56, que pode ter desconto caso seja adquirido em formato de pacote.
Outra atividade desenvolvida pela clínica foi a piscina para os cães, principalmente para aqueles que moram em apartamentos. A ação recebeu até mesmo um evento online para que os tutores pudessem acompanhar o dia do animal no “parque aquático”.
— Os donos estão preocupados com a qualidade de vida dos pets. Não querem mais que eles fiquem muito tempo trancados dentro de casa enquanto trabalham. É uma necessidade do cão interagir, socializar e também para a saúde dele.
O período vivido atualmente pela clínica é comemorado por Juliane e de longe representa o que foi o início da pandemia para quem trabalha com serviços voltados aos animais. Ela conta que o maior desafio durante o período foi manter os empregos das colaboradoras do espaço, que conta com uma médica veterinária, recreacionistas, auxiliares e uma recepcionista. No fim do ano passado, a demanda cresceu e fez com que o estabelecimento abrisse duas novas vagas de trabalho, totalizando agora oito empregos diretos.
Diária da hospedagem para animais pode custar até R$ 40
Um dilema que surge quando o tutor vai viajar é sobre quem ficará cuidando dos bichinhos - principalmente nessa época de férias. Muitos animais de estimação ficam estressados com os deslocamentos e a solução encontrada pelos donos dos animais é a contratação do serviço de pet sitter, uma babá para animais de estimação por um período determinado. Essa profissão é a principal fonte de renda da cuidadora Marina Muller, 22 anos, responsável por cães e gatos de outros donos há quatro anos no apartamento onde mora no bairro Exposição.
A jovem trabalha com duas modalidades: a hospedagem, quando os animais passam a morar com ela e ficam sob os seus cuidados e também por meio de visitas em residências com duração de uma hora, que são, principalmente, voltadas para gatos. A divulgação do trabalho é feita por meio do aplicativo DogHero, criado especialmente para aproximar pessoas dispostas a hospedar os animais de outras pessoas por um período determinado enquanto os tutores estão ausentes.
Além da cachorrra da raça golden de Marina, ela está cuidando nessa semana de outros três animais de pequeno porte. Por questões de espaço, a cuidadora consegue receber animais de pequeno e médio porte de até 20kg. A diária da hospedagem custa R$ 40 - o mesmo valor da visita. Em média, os animais ficam sete dias e, em alguns casos, eles chegam a ficar com Marina durante um mês.
Aos donos, é solicitado que leve a ração, brinquedos e outros mimos que fazem parte do dia a dia do animal em casa. É permitido também subir no sofá e na cama, desde que os tutores concordem. Antes de fechar a parceria, um pré-encontro é feito para que ela conheça mais sobre o cão e se crie uma afinidade entre os dois. Além da permanência em casa, há passeios pela manhã e no final da tarde e brincadeiras durante o dia.
— Percebi que a procura cresceu muito a partir de dezembro, quando as pessoas começaram a sair de férias. Tenho muitas reservas para janeiro ainda e também para fevereiro. No inverno a tendência é crescer também. São pessoas que me procuram na maioria das vezes pelo aplicativo, mas outras que recebem o meu contato como indicação e que querem saber mais sobre o serviço, como eu trabalho — explica ela, que também divide o apartamento com os pais e o namorado.
Para amenizar as perdas acumuladas com a pandemia, que provocaram o cancelamento de hospedagens que haviam sido programadas, Marina precisou mudar de área e trabalhar somente como professora de dança, profissão que ela segue atuando como renda extra. Agora, com a volta da demanda, está voltada ao trabalho para permitir tranquilidade aos tutores dos animais.
— Me coloco muito no lugar deles. Muitos não gostam de hotéis para que o animal não fique preso em gaiolas e possam estar em uma casa, que é muitas vezes semelhante ao ambiente que eles estão acostumados a viver. Fazer esse trabalho me satisfaz muito porque a gente tenta suprir a ausência do dono com muito amor e cuidado.
Adaptação do animal no retorno ao trabalho presencial dos tutores movimenta adestradores
Acostumados com a companhia dos tutores durante o home office, os animais de estimação agora encaram uma necessidade de adaptação para voltarem a conviver com a ausência dos seus tutores. Essa é uma das novas demandas que surgiram recentemente e que levam os donos dos animais a procurarem um serviço de adestramento em Caxias do Sul.
No espaço do adestrador Mateus Anucio Junker Sartori, que reúne também atendimentos em hospedagem e creche para cachorros, a procura pelos serviços cresceu nessa época do ano e chegou a níveis observados antes da pandemia. Apesar disso, ainda há espaço para crescer.
— Para mim, agora, voltou ao que era o normal. O final e o início de cada ano é sempre mais movimentado. Mantenho uma média de seis ou sete animais para adestramento, que é o que eu me organizo para atender bem. Muita gente adotou um animal durante a pandemia e agora precisa deixá-lo sozinho, o que não é fácil. Para hospedagem, além dos meus três cachorros, consigo receber mais quatro, cinco animais. Em hospedagem e creche ainda tem espaço para crescer — explica.
Assim como os demais serviços, Sartori sentiu os efeitos da pandemia. Com a baixa procura dos tutores pelos atendimentos aos pets no início de 2020, ele precisou paralisar as atividades do próprio negócio e procurou emprego em uma escola de adestramento na cidade. Desde o início do segundo semestre do ano passado, retomou com os atendimentos no espaço que administra no bairro Bela Vista.
O perfil dos seus clientes são cães de grande porte, que são treinados, principalmente, após apresentarem algum comportamento mais agressivo. Além desses casos, os demais são adestrados para obedecer, ter disciplina durante um passeio ou para que aprendam o local certo para fazer as necessidades, por exemplo.
Em média, no último mês, ele está treinando seis diferentes animais, que levam cerca de três meses para apresentarem os primeiros resultados no comportamento. Segundo Sartori, os primeiros 30 dias ocorrem somente com a interação do adestrador e do cão, mas que ganha a companhia do tutor a partir do segundo mês de trabalho.
— O adestramento nada mais é que a comunicação entre o ser humano e o animal. Algumas pessoas acham que o adestramento vai robotizar o cão, mas não é bem assim. O animal não muda de um dia para o outro. O fato de sentar e deitar é um truque que se fortalece e se torna uma questão de obediência e faz isso ser um comportamento frequente — afirma.
Sartori atua como profissional no ramo desde 2017. Os primeiros passos no mercado pet começaram quando ele adotou o cão Baki para servir como companhia durante um período de depressão.
— Por ignorância minha, escolhi um cão muito forte, com muita energia. Caminhávamos por duas horas e meia e em seguida ele já estava querendo sair de novo. Aos poucos, entendi que ele precisava de uma rotina e ingressei nessa área para aprender a lidar com ele. Meu professor foi me ensinando, acabei gostando e me especializei para seguir trabalhando. Começou como hobby e acabou se tornando a minha profissão — explica ele, que também é premiado em competições de adestramento.
Acessórios e brinquedos pets são produzidos em Caxias e vendidos para todo o país
Depois de mais de duas décadas trabalhando com a fabricação de produtos em plástico para a linha fitness, o diretor Marcelo Zamboni resolveu também investir em um segmento em ascensão e que passou imune à crise: a produção de brinquedos e acessórios voltados para os pets.
Desde 2019, a Petmaxx, empresa localizada no bairro São José, em Caxias do Sul, desenvolve e produz comedouros, camas, mordedores, halteres, friebies, caixas de transportes genuinamente caxienses, entre outros itens, para clientes de estimação espalhados pelo país. São 45 modelos em diferentes cores para agradar os donos e os animais.
— Passamos muito longe da crise. Antes da pandemia, os donos saíam de casa e viam seus pets apenas à noite. Depois, estavam o dia todo com eles e passaram a querer dar um brinquedo, um acessório, como se fosse uma criança. Somos um dos poucos segmentos onde não é o público final quem define a compra — conta.
Em menos de dois anos de atuação, Zamboni explica que a unidade pet da empresa chega a corresponder a 30% do faturamento - sendo o restante correspondente aos produtos da linha para ginástica. Nesse período, cresceu 330% em número de pedidos para acessórios e brinquedos pet. A venda ocorre para distribuidoras, que levam os itens para pet shops, agropecuárias e outros segmentos varejistas.
Para suportar a demanda, a empresa abriu novos postos de trabalho: saltou de 21 para 60 colaboradores. Também ampliou a fábrica e se mudou, em 2020, para um pavilhão três vezes maior. Ao todo, são 14 máquinas e até um robô que transformam o plástico em produtos pets. O investimento no parque fabril foi de cerca de R$ 4 milhões.
— Nosso crescimento foi muito rápido porque pensamos, desde o início, em oferecer mais do que um simples produto. Todos os nossos itens precisam ter algo a mais. Os brinquedos, por exemplo, também servem como porta-petisco e ajudam na limpeza dos dentes do animal. Competimos hoje com grandes players do mercado, que estão há 20, 25 anos de atuação — explica.
Um dos destaques do catálogo são caminhas em plástico e que também acompanham um revestimento com tecido, um tipo de produto que não era comercializado no país e encontrado apenas no exterior.