Se "Deus ajuda quem cedo madruga", Caxias do Sul está, de fato, repleta de pessoas abençoadas. O dito popular talvez não se refira exatamente ao horário em que as pessoas acordam, mas sim ao tanto de esforço próprio que cada um deve dispensar para conquistar seus objetivos na vida e, neste 1º de maio, Dia do Trabalhador, há que se reconhecer que trabalhador é o que não falta nesta cidade. São milhares de caxienses que acordam, todos dias, e vão para a luta, mesmo que a luta diária pelo pão de cada dia possa estar cada vez mais difícil e, por vezes, recompensando menos.
— Eu tenho família, né. Chega no fim do mês, as contas vão chegando, tenho que pagar, não adianta — relata o frentista Luiz Ademir Cidade, 55, que há quase quatro anos encontra na atividade uma fonte de sustento e agora pretende seguir nela até obter sua aposentadoria.
Ele confessa que trabalhar em posto de combustível nunca esteve nos seus planos. Metalúrgico durante boa parte da vida profissional, ele acabou mudando de profissão depois de ficar uma ano e meio desempregado, procurando uma vaga no setor. Souza diz gostar do que faz hoje, da interação com as pessoas que seu trabalho permite, mas acaba arcando com as desvantagens de um salário menor e uma carga horária menos regular, que ocupa finais de semana e feriados.
— Minha ideia era continuar na metalúrgica, mas estava difícil por conta da idade, e acabei pegando esta oportunidade que apareceu, por indicação de um sobrinho que já era frentista. Com família, não dá pra escolher muito — completa.
É também em nome do sustento próprio e da família que Rodrigo Oliveira Motta, 44, percorre diversas regiões da cidade comercializando torrones. Ele diz que não tem horário definido, mas que retorna para a casa onde mora, no Vila Ipê, somente após vender a meta diária de 100 unidades por ele estipulada. A atividade que, há alguns anos, era complementar à remuneração como empregado, é hoje a única fonte de renda que ele possui.
— Foi o jeito que achei de me manter até essa pandemia passar ou até abrir alguma vaga de emprego — comenta o vendedor, que trabalhava em uma fábrica de componentes para caminhões mas foi demitido em outubro de 2020.
Vagas de emprego não faltam, isso é verdade. Somente na agência do Sine de Caxias do Sul, 234 colocações, predominantemente para a área da indústria, estavam sendo ofertadas nesta sexta-feira (30). Mas, para Motta, diante das vagas oferecidas atualmente, ainda é vantagem comercializar torrone.
— Eu venho procurando emprego desde que fui demitido, mas até agora não estou encontrando algo que tenha um salário compatível com a função. Se aproveitam da crise para pagar menos — comenta.
A indústria também não atrai Reginaldo Marcelo de Souza, 43, que desde janeiro está trabalhando como motoboy de aplicativo na cidade. Depois de quase uma década de "firma", Souza realizou, em 2019, o sonho de abrir um negócio próprio, mas o pequeno bazar não resistiu à pandemia e acabou fechando as portas no começo deste ano.
A motocicleta, a experiência que ele já tinha como motoboy — atividade que exerceu nos anos 2000 — e a necessidade de trabalhar fizeram com que ele voltasse a realizar entregas na cidade, ganhando apenas 20% do que acumulava mensalmente como dono de loja.
— É complicado, no trânsito ninguém respeita a gente, mas, dentro de firma, eu já trabalhei e é mais complicado ainda, a cobrança é maior, não vê o dia, fica fechado o dia inteiro. Assim, pelo menos, estou livre e espero que, quando a pandemia passar, eu consiga reabrir a loja — almeja Souza.
"Subemprego invisível se aprofundou"
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) registrou saldo positivo de 814 no mês de março, um resultado puxado, principalmente, pela indústria. No primeiro trimestre, foram 4.379 admissões a mais do que demissões, em Caxias, uma recuperação considerada surpreendente. Apesar deste e de outros indicativos demonstrarem aquecimento na atividade econômica na cidade, o cenário ainda é instável, o que gera insegurança a todos os trabalhadores neste momento, especialmente os da iniciativa privada, conforme explica a coordenadora do Observatório do Trabalho da Universidade de Caxias do Sul, Lodonha Maria Portela Coimbra Soares.
De acordo com ela, o aumento de pessoas desempregadas perante a redução de vagas de emprego na cidade colaborou para que o nível de exigência das empresas aumentasse, resultando na desvalorização da mão-de-obra.
— Em tempos de crise sanitária, é muito comum que isso aconteça. Tivemos diminuição dos postos de trabalho nos setores não-essenciais, e essas pessoas precisam se manter. Na hora que falta comida, você se submete a qualquer atividade, acaba ocupando outros cargos que estão aquém de sua capacitação. O nome disso é subemprego invisível. Já estava acontecendo antes da pandemia, a renda média de salário da população estava reduzindo, mas agora isso se aprofundou — relata a economista.
Diante da desvalorização, ela explica que muitos trabalhadores acabam permanecendo mais tempo no desemprego, passando posteriormente a compor a chamada população desocupada, que inclui aqueles que sobrevivem com atividades informais. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que a população desocupada é hoje formada por 14,3 milhões de pessoas em todo país.
Já o coordenador da agência do Sine/FGTAS Caxias do Sul, Maurício Adamatti, destaca que, com o aumento da oferta de mão-de-obra, as empresas têm se permitido exigir mais dos trabalhadores, tendência que é anterior à pandemia. Segundo ele, a agência sempre orienta os candidatos a buscarem qualificação e, principalmente, a focarem em apenas uma área para que possam competir a partir da especialização.
"Uma vez, um jardineiro poderia ser contratado com Ensino Fundamental e até sem experiência. Agora, tem muito jardieniro com qualificação, então o empresário acaba exigindo mais também."
Maurício Adamatti, coordenador da agência do Sine/FGTAS Caxias
"O mercado enfrenta uma escassez de mão-de-obra-qualificada, que é necessária até para trabalhos mais operacionais. Há uma dificuldade das pessoas se permitirem a investir em alguma formação, ou mesmo buscar um dos muitos cursos gratuitos disponibilizados hoje em dia."
Michele Rosa, diretora da Desenvolverh Consultoria em Gestão de Pessoas, que realiza recrutamento para empresas da Serra e Região Metropolitana