Uma lei estadual de setembro de 2020 cria quatro novos cartórios para Caxias do Sul. A lei 15.521 prevê as chamadas "serventias extrajudiciais", denominação oficial para cartórios de notas e registros, e libera a possibilidade de abertura de um tabelionato de Protestos de Títulos, dois de Registros de Imóveis e outro de Títulos e Documentos - este também com a competência para atuar com Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A criação dos cartórios, no entanto, fica condicionada ao preenchimento de vagas por meio de concurso público. A medida já foi confirmada por meio de publicação virtual no Diário de Justiça, no último dia 14.
O concursado, no entanto, deve estar atento a um ponto: ele precisará investir na instalação do local. Apesar de ser um concurso público do Estado, não haverá salário, mas, sim, os rendimentos que entrarem no cartório a partir dos serviços prestados, dependendo do faturamento da unidade. O processo, apesar de previsto na Constituição Federal de 1988, ainda é novo se for considerado o conhecimento geral da população sobre o tema.
De acordo com o registrador de imóveis titular da Segunda Zona Imobiliária de Caxias do Sul e professor de Mestrado e Doutorado da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Manoel Valente Figueiredo Neto, a lei estadual criou os cartórios, mas estes serão providos por concurso público organizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
— Já foi declarada a vacância desses cartórios em Caxias, bem como, de outros municípios do Estado. Isso indica que já está na iminência de sair um concurso público a qualquer momento com a publicação do edital — diz.
Segundo Neto, o processo será destinado a vagas para titulares dos estabelecimentos, ou seja, serão quatro vagas em Caxias. Há outras criações de cartórios previstas em proposições da Assembleia Legislativa que contemplarão diversos municípios gaúchos, mas que ainda precisam ter lei específica. A posse do concursado será dada pelo diretor do Fórum da cidade. Entre os requisitos estará o diploma de bacharel em direito, mas, os não formados no curso superior que tenham 10 anos de exercício em serviço notarial ou de registro também estarão aptos. O tempo de atuação deverá estar completo até a data da primeira publicação do edital do concurso.
De acordo com Neto, que é maranhense e atua em Caxias desde 2018, quando foi nomeado após passar em concurso, houve uma surpresa na sua chegada à cidade, justamente porque não havia acontecido ampla divulgação sobre a abertura do concurso.
— Levei um susto porque os profissionais não sabiam do edital. Fico satisfeito em repassar essa informação. A comunidade local tem que participar. Caxias é um polo de pessoas inteligentíssimas e esses cargos podem ser ocupados por pessoas daqui, que sei que estão preparadas para isso. Existem pessoas muito capacitadas — afirma.
Para Neto, o candidato deve focar em passar na prova, já que os custos que ele arcará com a abertura do espaço físico poderão ser facilmente conquistados por meio de créditos em bancos e cooperativas.
— O cartorário deverá repassar valores que são devidos ao Tribunal de Justiça, ao Poder Executivo municipal e outros previstos em normas. Deverá também, pagar toda a folha de salários de funcionários, que são celetistas, e as despesas em geral (água, luz, telefone, aluguel do ponto, máquinas). O restante será o seu rendimento, descontando o pagamento do Imposto de Renda como pessoa física — explica.
O mais antigo atua há 54 anos em Caxias
No passado, os chamados "donos de cartório" eram escolhidos por sucessões hereditárias. Filhos ou sobrinhos assumiam as funções. A Constituição de 1988, entretanto, concretizou que os titulares passariam por seleção em concurso. Ainda assim, é comum pessoas que já estavam nos cargos seguirem até os dias atuais no formato de "interinidade". Um dos locais que mais chamaram a atenção da comunidade caxiense com a mudança foi o cartório que era administrado pela família Balen por mais de 80 anos. É justamente este que é gerenciado por Neto, após a nomeação ocorrida há três anos.
A mesma situação ocorre com o tabelião mais antigo de Caxias. Marcos Cunha Lima, 68 anos, terá um concursado em seu lugar depois que decidir parar. Desde os 14 anos vivendo a rotina do Primeiro Tabelionato de Notas, Lima relata que os cargos também eram escolhidos por motivações políticas. À frente da administração do estabelecimento há 34 anos - são 54 contando os anos como funcionário - ele fez uma prova de habilitação para obter a concessão do Estado e segue no comando do estabelecimento, localizado no Condomínio Alvorada, na Rua Marechal Floriano.
— Gosto de atendimento ao público e de resolver o problema da comunidade. É uma segurança jurídica para os atos das pessoas. O concurso público foi um avanço. Por muitos anos só foram beneficiados os que tinham influência política — conta.
A estrutura física é um investimento do tabelião ou registrador, assim como a responsabilidade de contratar funcionários em regime CLT. Mas os livros de registros são do Estado. Sendo assim, o sucessor poderá comprar o local ou levar os livros para montar seu cartório em outro espaço.
Questionado sobre a opção valer a pena financeiramente, Lima afirma:
— Lógico que vale. Enquanto eu estiver em condições físicas e psicológicas, continuarei — avisa.