A formação como engenheiro agrônomo colaborou com o desenvolvimento profissional do caxiense Arnaldo Antonio Argenta, 67, que hoje presta assessoria e assistência técnica a diversos produtores da região. Ele garante, porém, que foi com o pai e o avô, ambos viticultores, que aprendeu a ter amor pela uva — produto símbolo de Caxias do Sul — e pela elaboração do vinho a partir do fruto. Após décadas ajudando produtores nos mais diferentes tipos de cultivo, seu Argenta decidiu aliar o conhecimento técnico aos ensinamentos ancestrais. Realizando um sonho, ele mantém hoje a Valparaiso Vinhos e Vinhedos, que fica na localidade de Vila Rica, interior de Barão, e desponta no cenário do vinho brasileiro como uma das maiores produções de vinificação natural do país, com 30 mil a 40 mil garrafas ao ano.
Desde 2015, quando plantou as primeiras videiras para vinificação, Argenta diz estar, literalmente, colhendo bons frutos a partir da decisão de trabalhar com o Sistema de Produção Protegido, que, segundo ele, é utilizado em muitas propriedades, porém pouco difundido na produção de uva. A tecnologia foi aplicada nos sete hectares que totalizam 46 variedades da fruta, sendo nove delas finas, destinadas à vinificação.
Trata-se de uma cobertura plástica instalada sobre as videiras, algo que garante mais proteção, especialmente quanto às doenças frequentemente registradas em função da alta umidade na região. A partir disso, de acordo com o engenheiro agrônomo, a estrutura garante que a uva seja colhida de forma escalonada, no ponto ideal de maturação para cada variedade, em uma vindima que acaba estendendo-se até o mês de maio - dois meses depois das colheitas em vinhedos convencionais, que se encerram em março.
— A implementação desse sistema exige um investimento cinco vezes maior do que um plantio convencional, mas, graças a isso, a principal matéria prima virou o grande diferencial dos nossos vinhos. Na safra passada, ficamos na média de 17.6 graus Babo e nesta ainda não colhemos uvas abaixo de 19 graus Babo. A proteção nos garante índices similares aos do Chile, que tem um terroir diferente do nosso — afirma Argenta, orgulhoso dos feitos conquistados em sua propriedade.
O grau glucométrico (teor de açúcar), medido pela escala de grau Babo, é o critério mais utilizado para determinar as condições de uma safra de uva no Brasil. Conforme norma do Minisitério da Agricultura, é preciso que a uva atinja o mínimo de 15 graus para que possa ser vinificada, sendo 14 graus a exigência mínima para uvas brancas.
Além dos benefícios em relação à maturação, Argenta afirma que o sistema possibilitou uma redução no uso de insumos fitossanitários, e que o próximo ciclo deverá ser convertido para um controle 100% natural a partir de produtos alternativos.
— A ideia é trabalhar de uma forma mais sustentável na agricultura, com uso mais racional de insumos e defensivos. Nunca concordei com paradigmas e sempre achei que tinha como fazer diferente. Os produtores ainda ficam muito inseguros, têm medo de perder a produção, mas é possível buscar alterativas menos danosas à saúde. Meu prazer é chegar uma criança ou uma pessoa de idade e poder comer a uva direto do pé, sem risco nenhum — completa.
Uma vinificação não-convencional
A escolha pelo sistema de proteção feita por Argenta não se dá apenas pela satisfação de uma uva bem colhida, ela corrobora com uma outra escolha feita pelo vitivinicultor: a de elaborar vinhos com mínima intervenção enológica, ou seja, sem o uso de produtos hoje utilizados na vinificação convencional. Sendo assim, Argenta realiza a vinificação natural, bastante difundida na Europa, e que tem ganhado cada vez mais reconhecimento e adeptos no Brasil — inclusive na região — embora ainda não tenha uma legislação específica.
— Um produtor de vinhos naturais hoje precisa cumprir a mesma legislação da produção de grandes vinícolas, isso dificulta. Mas não quis entrar no mercado para produzir vinhos convencionais. A ideia é colher uma uva sadia e extrair tudo que a variedade possibilita — afirma o vitivinicultor.
Atualmente, a Valparaiso é a maior produtora de vinhos naturais do Brasil e leva em seus rótulos o nome "Vitale", que homenageia Vitale Silvestre Argenta, avô paterno de seu Arnaldo. A vinícola produz com as seguintes variedades: Torrontés, Moscato Alexandria, Garganega, Chardonnay, Pinot Grigio, Rondinella, Sangiovese, Pinot Noir e Nebbiolo. Além disso, foi pioneira com a produção do primeiro espumante moscatel sem adição de açúcar, o Moscatel Torrontés. Também são elaboradas Brut Torrontés e Ancestral Garganega, rótulo que será lançado em breve em lote de apenas 150 garrafas.
A qualidade das uvas e, consequentemente, dos vinhos de Argenta têm atraído a atenção de consumidores do nicho e restaurantes renomados do Sudeste brasileiro. Um dos rótulos chegou a ser citado em uma live do ator Antonio Calloni, que integra a Associação Brasileira de Sommelier (ABS), no Rio de Janeiro.
Desde o final de 2020, a Valparaiso, antes tocada exclusivamente por Argenta, virou empresa familiar, com a colaboração da filha dele, Naiana Argenta, 38, que, em outubro de 2020, em plena pandemia, resolveu deixar a carreira de 12 anos no setor de exportação da Randon para abraçar o sonho do pai.
— Demorei muito tempo para entender e valorizar o que meu pai tanto fazia nos dias que passava aqui. Agora estamos começando aos poucos, criamos o e-commerce, queremos dar continuidade à visitação que tinha sido iniciada antes da pandemia e principalmente trazer o retorno de tudo que ele investiu aqui nos últimos anos, viabilizar essa atividade que ele tanto ama — afirma Naiana.
História preservada
Quando Argenta decidiu cultivar uvas, em 2006, procurava por um terreno pequeno, que desse conta, apenas, de sediar sua experiência enológica. Por um amigo, soube da intenção de venda do terreno no interior de Barão, por parte do proprietário que estava residindo em Caxias do Sul. A área de 60 hectares chamou a atenção do comprador não pelo tamanho, mas pela história que carrega e que ele fez questão de honrar, preservando o nome da "Granja Valparaiso".
Uma vinícola cuja construção iniciou na década de 1930 e que, nos anos 1970, foi reconhecida pela maior produção de uva em extensão do Brasil, chegando a 1,5 milhão de litros por ano, com comércio voltado principalmente para São Paulo. Argenta conta que a empresa foi fundada por Ernesto Gobbato e, na década de 1980, vendida para Clécio Bertoli, um empresário renomado da região.
— Ele vendia vinho a granel e isso foi perdendo força, então acabou buscando ramos mais lucrativos até que a empresa fechou. Quando comprei, tinha tanto mato que precisamos medir a propriedade por imagem de satélite, não tinha como entrar — relata Argenta.
Hoje, o local completamente transformado, com novos pavilhões, espaço de eventos e paisagens de tirar o fôlego decoradas pelos vinhedos bem cuidado, preserva a história em seu nome e nas quatro mudas de uvas americanas que foram mantidas. Estima-se que tenham cerca de 70 anos.
Em um galpão, Argenta diz manter peças que adquiriu para um museu que homenageie a imigração italiana. Uma história que abrange seus avós, seus pais, pela família que plantou em Vila Rica. Uma história que ele valoriza e que certamente se expressa a cada grão de uva por ele cultivado.