Macroeconomia é o tema da terceira reportagem da série Futuro da Economia. O Novíssimo Dicionário de Economia, descreve como sendo objetivos de estudo e análise da macroeconomia "as relações entre os grandes agregados estatísticos: a renda nacional, o nível de emprego e dos preços, o consumo, a poupança e o investimento totais". O livro, organizado pelo economista Paulo Sandroni, destaca ainda que "esse direcionamento fundamenta-se na ideia de que é possível explicar a operação da economia sem que haja necessidade de compreender o comportamento de cada indivíduo ou empresa que dela participam".
Lei ainda
O Futuro da Economia
O futuro da economia: o que mudará nas relações de trabalho após a pandemia
O futuro da economia: como será o turismo após a pandemia
Segundo dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE), realizada para analisar o contexto atual da economia brasileira, em um cenário de pandemia em que quase 10 milhões de trabalhadores ficaram sem remuneração. Entre os 84,4 milhões de trabalhadores do país, cerca de 19 milhões estavam afastados do trabalho e, entre estes, 9,7 milhões estavam sem sua remuneração, o equivalente a 11,5% da população ocupada em maio de 2020. Efeito similar foi observado no rendimento efetivo dos trabalhadores (R$ 1.899), que ficou 18,1% abaixo do rendimento habitual (R$ 2.320). Em maio, 38,7% dos domicílios do país receberam algum auxílio monetário do governo relacionado à pandemia, no valor médio de R$ 847.
Ou seja, é possível dimensionar como está o rumo de um país, por exemplo, a partir da avaliação dos seus índices. Da mesma forma que é possível apontar tendências de navegação a partir das ações planejadas (ou emergenciais) de um governo. Para entender para onde o Brasil se direciona nessa travessia mar adentro, através do nevoeiro da pandemia, buscamos opiniões de dois economistas.
O primeiro deles é o CFO da Veritas Capital Management, Flávio Rietmann, formado em Administração de Empresas, com especialização em economia, mercado financeiro e de capitais. CFO é a sigla em inglês para Chief Financial Officer. O segundo entrevistado é o economista Márcio Pochmann, professor titular no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), cujo trabalho é focado em Economia Social e do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: emprego, educação, relações de trabalho, sindicalismo e políticas públicas sociais e de mercado de trabalho.
O PIB NEGATIVO EM 2020
- 9,1% é a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a contração da economia brasileira em 2020 devido aos impactos da pandemia de coronavírus sobre a atividade. Ao mesmo tempo, o organismo passou a ver maior crescimento no ano que vem. A projeção foi divulgada no relatório Perspectiva Econômica Global divulgado em 24 de junho.
- 5,3% era o recuo previsto pelo FMI em abril.
- 6,54% é o recuo para o PIB 2020 de acordo com as projeções de mercado projeto pelo Boletim Focus do Banco Central, divulgado ontem.
Fontes: FMI e Banco Central
Confira o que Flávio Rietmann, CFO da Veritas Capital Management, diz sobre a retomada da economia brasileira
CONTEXTO PRÉ-PANDEMIA
"Havia toda uma conversa voltada à privatização, com a investida para as reformas emergenciais, como já tinha sido votada a da Previdência, viria a tributária, além das PECs (Proposta de Emenda Constitucional), o pacto federativo, marco de saneamento, toda a parte de infraestrutura, até uma perspectiva de maior autonomia do Banco Central. Mesmo com toda a questão política, de uma sensação de que está de um lado o Bolsonaro e de outro o resto, o Brasil ia se segurar em 2020 e ia caminhar bem. Tinha tudo para ser um 2020, no jargão do mercado, de ver o Brasil decolando."
RESILIÊNCIA E SERIEDADE
"Podemos considerar entre os pontos negativos que todos sabem, que deve ocorrer aumento de desemprego e diversas empresas passando dificuldade. Mas há um ponto bom para refletirmos. O brasileiro, de um modo geral, sempre foi muito resiliente. Somos um país com muita volatilidade na economia. Sempre passamos por várias crises, muitas delas que o país mesmo criou, como o Plano Collor, e a saída de (ex-presidente) Dilma (Rousseff) e a entrada do (ex-presidente Michel) Temer, e outras que chegaram até nós em decorrências de crises externas. De todo modo, o Brasil sempre saiu das crises de uma forma melhor do que estava antes. Precisamos, agora, sermos mais resilientes do que nunca e sérios em colocar em prática a agenda de reformas."
MODELO EXPANSIONISTA
"Não há como fugir do modelo expansionista (o objetivo é aumentar a liquidez de moeda na economia e reduzir os juros, estimulando o consumo). Governos do mundo todo estão fazendo isso, injetando dinheiro na economia. O momento exige também que se mantenha o maior número possível de empregos. Com o Banco Central expandindo, oferecendo dinheiro para os bancos e as empresas, não deixando crescer tanto o desemprego e mantendo as atividades vivas, você tem chance de retomar a economia pela frente. Mas esse dinheiro tem de chegar na ponta, seja cidadão comum ou microempresário, ou médio empresário. Porque o choque de liquidez foi de todos."
NOVAS PERSPECTIVAS
"Está óbvio, nessa crise, que as empresas de tecnologia e e-commerce, que já estavam em uma pegada de crescimento antes da pandemia, não param de crescer. Do ponto de vista econômico, teremos um ano de 2021 com a Selic projetada para 3% e perspectiva de crescimento de PIB de 2,5% e com a inflação controlada. Mas a dinâmica só vai mudar mesmo em 2022. Fica claro com essa crise que é preciso consciência de todos os setores da economia, Poder Executivo, Congresso, empresários, gestores de recursos e formadores de opinião, de que a retomada está em nossas mãos. Mais do que nunca, insisto, precisamos que as reformas sejam aprovadas e que o povo permaneça resiliente."
Leia o que o economista Márcio Pochmann defende como sendo a política econômica ideal para o Brasil
DESISTÊNCIA HISTÓRICA
"A impressão que tenho é que os últimos cinco anos representam uma espécie de "desistência histórica", no sentido de o Brasil estar apenas se preparando para lidar com a emergência. O centro do problema identificado pelo pais é o Estado grandioso, improdutivo, incompetente, corrupto. E, portanto, o Estado é o problema. Se o problema central é do Estado, segundo essa visão, então tem de modificar o Estado. Quando o governo atua dessa forma, está assumindo que o problema não é o emprego, nem a pobreza, a miséria, a destruição ambiental ou a tecnologia. No fundo, governos como esse que estamos vendo no Brasil estão preocupados com a questão das finanças públicas. É nesse sentido que são governos de emergência, que lida com os problemas e não as causas."
CONTEXTO POLÍTICO
"O Governo Bolsonaro acabou. Em janeiro deste ano, o presidente sabia que o seu primeiro ano tinha sido muito ruim. Entre o que ele desejava fazer e o que ele tinha conseguido fazer havia uma distância grande. A retórica era a de que ele faria um governo sem passar pelo parlamento, iria privatizar e daí viria o investimento externo e o Brasil ia crescer. Na realidade, foi pior do que o Governo Michel Temer, que cresceu mais. E o pior, além de o Brasil não crescer agora, vai cair 10% do PIB. A impressão que eu tenho é de que o (ministro da Economia) Paulo Guedes não é mais o "cara do posto Ipiranga", está enfraquecido, principalmente com a linha desenvolvimentista adotada pelo governo."
IMPULSO INDUSTRIAL
"O Parlamento brasileiro poderia ter tomado outras posturas, mas está sendo guiado pelo Executivo. Por exemplo, em março tivemos falta de álcool gel. Então tinha-se que aumentar a demanda da matéria-prima no mercado. Um país que tem governo sabe que somos o maior produtor de álcool etanol do mundo. Preventivamente, o presidente da Câmara de Deputados poderia ter chamado esse setor e dizer que, por estarmos vivendo uma situação excepcional, era preciso aumentar a produção. E ainda em março, ninguém se perguntou se os trabalhadores da linha de frente tinham equipamentos para combater a covid-19. Por que não se convocou a indústria têxtil para que organizasse a confecção de máscara, de luvas? Por que ficamos esperando para ver se China teria condições de fabricar? A indústria brasileira não responde porque não foi chamada para enfrentar a crise. Precisamos de um governo que olhe para frente, para que nos coloque em um novo impulso industrial."
MUDANÇA DE PERSPECTIVA
"Há alguns dias, o presidente do Banco Central liberou R$ 1 trilhão para os bancos para evitar a quebradeira. Mas essa é uma ação política. É possível financiar o Estado de um modo diferente, pela emissão de moeda. Essa é a Teoria Quantitativa da Moeda, em que se entende que, ao se emitir moeda, cria-se poder de compra para a população. Os Estados Unidos e boa parte dos países da Europa fazem o mesmo. Eles aumentam a emissão da moeda e não aumentou a inflação. Além disso, precisaríamos fazer uma reforma tributária para valer no país, tirar tributo dos mais pobres para que o rico pague mais imposto, mudando a composição da carga."
Leia também
Mais de 2,8 mil vagas de trabalho foram fechadas em Caxias no mês de maio
As Crises que Venci: "Sempre temos que investir na própria empresa"
Pandemia chega ao 100º dia contabilizando prejuízos sem perspectiva de retomada plena