Bolsas de valores despencando, dólar subindo, as grandes economias do mundo parecem menos sólidas do que se acreditava até a pandemia do coronavírus varrer o planeta. Antes do vírus atravessar o oceano e invadir o Brasil, o que mais se ouvia pela Serra Gaúcha era que não seríamos impactados pelas consequências globais da pandemia. Nada como um dia depois do outro. Atualmente, todos os setores da cadeia produtiva de Caxias estão sendo impactados. Desde a maior empresa da cidade ao produtor cultural, registrado como microempreendedor, todos estão suscetíveis às consequências econômicas. No entanto, sofre mais quem tem pequenos negócios, principalmente quem não tem fluxo de caixa, e já matava um leão por dia antes mesmo da crise.
Uma das entidades ligadas diretamente a esse universo é a Associação das Empresas de Pequeno Porte (Microempa), que congrega 2,6 mil empreendedores, sendo 500 deles na categoria Micro Empreendedor Individual (MEI). Desde a semana passada, quando a prefeitura de Caxias começou a disparar decretos regulando o que pode ou não funcionar, os associados da Microempa têm buscado informação e orientação, mas alguns andam precisando até de apoio psicológico. Afinal de contas, abril está logo ali, é preciso pagar a folha de pagamento, os impostos, as despesas fixas (água, luz, telefone, aluguel), e a maioria dos pequenos negócios não tem fôlego para além desse mês.
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– Estávamos conversando ontem e percebemos que o nosso slogan nunca fez tanto sentido como agora. O slogan diz: “Unindo pessoas e transformando negócios”. É um momento de união, de unir esforços para que todos possam sobreviver. Espero que essa situação, que agora é desanimadora, possa trazer a todos uma consciência maior, de que somos parte da mesma corrente e todos dependemos um do outro. Porque o pequeno é sempre o que mais sofre. Mas juntos vamos encontrar soluções, seja com informação ou com apoio psicológico, porque muitos também precisam disso – argumenta Luiza Colombo Dutra, presidente da Microempa.
Na mesma onda está o Sebrae, que tem atendido o estado por meio dos seus 10 escritórios regionais. Só na Serra, são 49 municípios. O Sebrae tem disparado diariamente conteúdos relevantes, com palestras e um comitê para tirar dúvidas dos pequenos empreendedores. Diariamente, são mais de 100 atendimentos com diversas questões de como fazer para sobreviver em meio a essa crise.
Nova visão do mesmo negócio
Tudo mudou muito rápido, e deve mudar ainda mais nas próximas semanas. É consenso de todos que as ações de contenção são importantes, mas é preciso manter o olhar no horizonte, e buscar alternativas para manter-se vivo no mundo dos negócios. Para o consultor Francisco Spiandorello, é preciso estar atento e disposto a se reposicionar.
– Um olho no furacão, outro no horizonte. Muitas oportunidades estão nascendo e muitas outras virão depois de toda essa tormenta. Fique atento às mudanças do seu negócio. Fique atento a como os clientes estão se comportando. Quem aproveitar para aprender com cada situação tem mais chances de resistir – defende Spiandorello.
Um dos exemplos é bastante curioso. A casa noturna Level Cult e o bar Doca Beer Garden, dos sócios Lídia Ribeiro, João Toss e Elton da Rolt, antes mesmo de o prefeito de Caxias Flávio Cassina (PTB) decretar o fechamento dos bares e danceterias, decidiram paralisar as atividades, como uma medida de proteger os clientes e funcionários. Mas como manter-se vivo na mente dos clientes e como mostrar ao seu público que a Level não se esqueceu deles? Uma das alternativas foi antecipar uma das ações que seria colocada em prática em abril, por conta do aniversário de oito anos da Level. Então, veio à tona a criação de um delivery de pizzas e hambúrgueres.
– Se isso der certo, poderemos dar consultoria de como abrir um delivery em 24h – brinca Lídia Ribeiro, sem perder a seriedade do momento.
O novo perfil do negócio atende a duas necessidades: primeiro, geração de renda para que possam ser pagas as despesas que ela e os sócios têm com as duas empresas, e ainda manter a marca conectada aos clientes. Lídia explica ainda, que antes de tomarem a decisão, ela e os sócios convocam os empregados para saber se eles topavam montar uma cozinha mais enxuta e adaptada, respeitando as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Comunicação e empatia
Da mesma forma que a Lídia, João e Elton só tomaram uma posição pelo delivery após conversar olho no olho com os funcionários, assim foi na Hamburgueria Moreira.
– Cara, como é que eu ia ficar tranquilo, em casa, com minha família, enquanto meus funcionários teriam de ficar trabalhando, só pra eu não deixar de faturar? Eu vi que eles estavam com receio de vir trabalhar, nos últimos dias em que ficamos abertos. Porque todos eles dependem de ônibus para vir trabalhar, e a maioria deles mora ou com os pais ou avós, ou seja grupos de risco. Então decidi fechar – revela, com a voz embargada, Leandro Moreira, proprietário da hamburgueria que herdou do pai.
Quantos mais dias ficar a empresa fechada, mais preocupado Moreira vai ficar. A ansiedade só aumentou com essa crise, porque há quatro anos ele tem se dedicado a matar um leão por dia, para reativar o negócio da família.
– Se a hamburgueria estivesse paga, e eu não tivesse empréstimo para pagar, talvez estivesse menos preocupado. Mas sinceramente, não sei o que fazer, além de renegociar com meus fornecedores.
Além dessa situação econômica, Moreira ainda tem mais um agravante em sua condição física que pesou na decisão. Em 2019, Moreira ficou internado por 20 dias, por conta de uma pneumonia.
– Os médicos me disseram que se eu tivesse ficado mais dois dias em casa, eu teria morrido. Fiquei três meses em casa para me recuperar. A minha imunidade ainda não é 100%, não é a ideal. Então, na dúvida, preferi me prevenir, pelo medo da situação com o coronavírus – revela Moreira, que tem 12 funcionários, e antes dessa paralisação, até pensava em contratar mais pessoas porque o movimento no final de semana estava melhorando.
Renegociar é a nova alma do negócio
As contas continuam a chegar, daqui a dez dias tem folha de pagamento, e logo depois, vencem as contas de luz, água, telefone e tem ainda o aluguel. Imagine isso, multiplicado por quatro. Assim está a mente do empresário Cristiano Telles, que em abril terá de depositar o salário de 20 empregados, mesmo sem faturamento nenhum em suas quatro lojas, da Samsung e da Swarovski.
– Na segunda-feira, eu resolvi ligar para o banco Itaú, porque vi que eles estavam anunciando refinanciamento sem juros. Só que eu falei com eles, e não é bem assim. Na verdade, quando quis fazer o refinanciamento me disseram que iam lançar como um novo empréstimo, com novas taxas de juros, com carência de 60 dias – desabafa Telles, descrevendo essa situação como uma das tantas negociações que estão na sua lista.
Uma outra demanda, que ele assume em duas frentes, primeiro como lojista e segundo como presidente da Associação dos Lojistas de Caxias do Sul, é renegociar com o Shopping Iguatemi o aluguel da sala.
– Os shoppings ainda não estão sensíveis a negociação. Os lojistas me procuram para dizer que não vão pagar boleto, antes que alguém da administradora nos dê alguma satisfação. Porque, até o dia 18 eu estava aberto, então eu tenho de dar um jeito, mas depois disso, não tive mais nenhuma entrada. Estamos querendo isenção de aluguel e desconto proporcional do condomínio, daqui para frente – defende Telles.
O empresário não anda muito otimista com o cenário futuro e diz que quanto mais tempo permanecer essa situação, menos será a possibilidade de recuperar esse prejuízo.
– É um efeito cascata e muita gente vai quebrar se o governo não agir rápido. E o governo tem de fazer mais do que isentar isso ou aquilo, vai ter de entrar com dinheiro. Se ficarmos até quatro semanas paralisados, como tem ocorrido em alguns países, tu recupera, embute isso nos outros meses do ano. Se passar disso, eu acho que o ano estará perdido – resigna-se.
Preparar a folha de pagamento
Após o decreto municipal do último dia 20, somente os setores essenciais do escritório de Contabilidade Sbabo estão funcionando. Entre sexta e segunda-feira, Eduardo Sbabo, que é técnico do Departamento Pessoal e Recurso Humanos, precisou fazer pilhas de recibos de férias, individuais e coletivas, para as empresas poderem liberar seus colaboradores a fim de cumprirem a quarentena.
– A partir de hoje (segunda-feira) vou procurar trabalhar num dia e ficar em casa no outro. Sei que não é o correto, pois desrespeita a quarentena e coloca minha família em risco, mas para o nosso setor só seria possível cumprir a quarentena à risca se o governo determinasse a prorrogação das obrigações acessórias – argumenta.
A partir de hoje, Sbabo diz que o escritório vai começar a fazer o fechamento da folha de pagamento das empresas, porque são as empresas de contabilidade que precisam respeitar os prazos legais para que não venham a ser multados. Por exemplo, o governo federal havia estabelecido, através da Receita Federal, que as declarações do Imposto de Renda devem ser enviadas até o dia 31 de abril. No entanto, Sbabo defende que o governo reveja essa posição, porque até agora poucas pessoas fizeram sua declaração.
– Estamos recebendo a documentação por e-mail e Whatsapp, mas nem todos os clientes sabem usar essas ferramentas. Os mais idosos têm dificuldade. E eles são justamente o grupo de risco que precisa ficar em casa. Mas a essa altura do mês de março já era para 50% dos clientes dos IR terem nos procurados, e até agora, 20% entraram em contato ou enviaram a documentação para suas declarações. E com o fechamento ao público de bancos e outras instituições algumas pessoas não conseguiram juntar toda a documentação necessária ainda – argumenta Sbabo.
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