Das brincadeiras preferidas da infância estava desmanchar o crochê das peças do enxoval da mãe. Sem linha nova, era a maneira que a pequena Maria de Lourdes encontrava para realizar o desejo de crochetar e costurar. Entre os afazeres da roça, na Linha Jacinto, interior de Farroupilha, sempre encontrava tempo para o seu passatempo favorito.
— A gente deixava, fazia a vontade dela — recorda o pai, Segundo Carmelindo Bortolanza.
Aquilo que podia ser considerado simples coisa de criança já revelava a vocação da menina. Aos 12 anos, depois de muito insistir, ganhou dos pais um curso de corte e costura. Filha mais velha de seis irmãos, que imitava a mãe Irma Gema Cecon, já falecida, com a tesoura e as agulhas, dava um importante passo. Mas, talvez, Maria não imaginasse que chegaria tão longe.
Dona de uma marca que hoje é referência em tricô na América Latina, Maria de Lourdes Anselmi começou produzindo, em casa, 20 camisas que sequer tinham comprador. Saiu com a sacola de peças feitas aos finais de semanas e à noite, após o expediente que cumpria em uma malharia como funcionária, e bateu de porta em porta. Nenhuma loja se interessou.
— Não vendi nada, nem por isso desanimei — relembra ela.
Maria queria ter seu próprio negócio e não deixou de alimentar o sonho. Um dia, no trajeto de volta do trabalho, meio que por acaso, conheceu uma representante de roupas. Levou a mulher para casa e mostrou as camisas. Fechou o que seria a primeira de muitas vendas. Ali nascia a Anselmi.
— A coisa foi acontecendo na minha vida. Nunca imaginei que ia chegar nesse tamanho. Construí a minha história com os princípios dos meus pais: respeito, não passar ninguém para trás — orgulha-se.
Já são 38 anos do início, embora, formalmente, a malharia exista desde 1984. Neste período, foram quatro mudanças de sede, até a instalação do parque fabril de 14 mil metros quadrados na Avenida Pedro Grendene, em Farroupilha. Algo talvez impensável para quem começou em um quartinho da casa no bairro São Luiz.
— Começou com nada e olha onde ela está. Me sinto feliz mesmo — diz o pai, todo orgulhoso.
Trabalho duro
Nos três primeiros anos, Maria trabalhava sozinha em casa, costurando. Os serviços de tecelagem e bordado eram contratados por ela. Com o aumento da demanda, precisou de um espaço mais amplo. Mudou-se com a família para uma casa no centro de Farroupilha e abriu a malharia no porão.
Precisou também de funcionários. Leodi Daros, 56, vizinha de Maria no São Luiz, era uma delas. Entrou no corte, função que exerce até hoje. Acompanhou de perto a trajetória e evolução da Anselmi. Foi e é peça fundamental no crescimento da empresa.
— A impressão que dá é que a gente parou no tempo e acordou agora. Parece um sonho — diz a colaboradora.
Se para Leodi, que está na Anselmi há 30 anos, é difícil acreditar que a malharia ganhou o porte que tem hoje, imagine para a filha de Maria, Patricia, 27 anos de idade. Diretora de marketing da Anselmi, ela se surpreende com a capacidade empreendedora da mãe:
— Fico pensando, às vezes, como ela conseguiu fazer tudo isso.
O avô de Patricia, Segundo Bortolanza, tem a resposta na ponta da língua:
— Trabalhando.
"Fomos criados nas tramas do tricô"
Uma realização para Maria de Lourdes é ver os três filhos trabalhando na empresa. Cada um em uma atividade, eles dão o suporte que a mãe precisa. Ela garante que nunca forçou nada, e os filhos concordam. E como aquelas crianças, que cresceram correndo em meio às máquinas e fios, poderiam seguir outro caminho que não fosse o de estar ao lado da mãe na Anselmi?
— Ela fez a gente amar a malharia como ela ama. Ela tem tanto amor que fez a gente se apaixonar. Fomos criados nas tramas do tricô. Somos realizados — resume Sandra, a primogênita e diretora de criação.
Filho do meio e diretor da empresa — será o sucessor de Maria quando ela se aposentar, o que ainda não tem data para acontecer —, Eduardo nunca se imaginou trabalhando em outro lugar. A vontade, garra, energia e paixão que ela tem pelo negócio são contagiantes, diz:
— Ela une todos em torno da empresa. A maior lição que ela nos passou é o quanto acredita nas coisas. Às vezes, dá errado, porque é normal, e ela tem capacidade de partir para outra. Tu não derruba ela, não tem como desanimá-la. Olha de onde ela veio, da roça, mulher de caminhoneiro. O que caracteriza minha mãe é acreditar e não ter medo de errar.
Além de determinada, os filhos a descrevem como superantenada. Não quer perder nenhuma novidade e está sempre de olho nas tendências. A mais nova, Patricia, se orgulha da mãe moderna que tem.
— Ela nasceu sem freio. Vai numa velocidade (risos). Sempre querendo fazer coisas novas. Eu fiz um curso de futurismo e ela fez também. Todo mundo comentou: "Nossa, que diferente tua mãe fazer." Ela é súper pra frente. Total inspiração — elogia a caçula.
Além dos filhos, os irmãos de Maria, Marli e Agostinho também trabalham na malharia. Ela é responsável pelo setor de terceirizados e ele é programador.
Fotos acima: 1. Maria com o filho Eduardo. 2. A filha Patricia; 3. A filha Sandra.
Amiga para a vida toda
Há 30 anos, Márcia Cenatti bateu na porta da Anselmi para oferecer fios de lã. Esperava fechar negócio, claro. O que ela não imaginava é que, além de vender seu produto, ganharia uma amiga. Os laços se estreitaram com o passar do tempo, e Maria só deu provas de que a amizade era para a vida toda.
— Meu pai precisou fazer uma cirurgia de coração de urgência. Eu estava me deslocando com ele para Porto Alegre. Ela me ligou e disse: "para em Farroupilha". Parei e ela estava me esperando com uma malinha para me acompanhar — recorda Márcia, emocionada.
As duas viraram confidentes — Maria é sempre a primeira a saber dos problemas e novidades de Márcia — e já compartilharam muitos momentos felizes, como viagens e shows. Maria gosta de música sertaneja, revela a amiga. Além do convívio entre as duas, há o convívio entre as famílias. Márcia considera as netas de Maria como sobrinhas. As meninas até a chamam de tia.
Recentemente, Maria perguntou a Márcia, que mora em Caxias, por que ela não comprava um apartamento em Farroupilha, em frente à casa dela. Preocupação e desejo de ficar mais próxima da amiga, para cuidá-la.
— Quando eu casar, ela vai ser minha madrinha. Ela brinca que vai ser minha aia — conta, às gargalhadas.
Márcia alegra-se com a amizade verdadeira construída com Maria assim como se orgulha da trajetória de sucesso da empresária.
— Eu me orgulho do que eles fazem, ainda mais quando tem meu fio (risos). Mas, sério, me orgulho muito porque sei como ela cresceu: honestamente.
E completa:
— Ela só tem um defeito: é mandona. Mas do lado bom — brinca Márcia.
Fotos acima: 1. As primeiras camisas, feitas em 1981; 2. As primeiras peças em malha da Anselmi.
Primeiro emprego e coração de mãe
Maria de Lourdes criou uma empresa que deu certo com a ajuda de muitas mãos. E sempre reconheceu e valorizou cada uma delas. O tempo de serviço dos funcionários na malharia não é a toa. Fabrício Furlanetto, por exemplo, está há 22 anos na Anselmi. Começou parafinando fios, virou programador, depois supervisor de programação e hoje é coordenador geral da tecelagem. Foi seu primeiro e único emprego.
— Como ela tem conhecimento de costura, sentava na máquina e orientava como devia ser costurado. Sinto ela como uma mãe, sempre orientando. Se errou, ela ajuda — conta.
Fotos acima: 1. Leodi Daros; 2. Fabrício Furlanetto; 3. Ivete Kukmarski.
Ivete Kukmarski, 49, tem a mesma impressão de Maria. Era uma menina ainda quando foi contratada, aos 17 anos, para o primeiro emprego, ainda na segunda sede da Anselmi. Não sabia fazer nada, mas Maria teve paciência.
— Ela me ensinou os primeiros pontos — conta a funcionária, que hoje faz acabamento, costura e revisão de peças.
Mas não foi só isso que Maria fez por Ivete.
— Na minha gravidez, passei por muita dificuldade, pagava aluguel e não tinha dinheiro para o enxoval do bebê. Um dia, ela estava me esperando com um pacote. Me emociono até hoje — recorda a funcionária, com os olhos marejados.
A Anselmi gera, atualmente, cerca de 400 empregos.
Maria de Lourdes Anselmi
> Nasceu em 7 de fevereiro de 1958, na Linha Jacinto, interior de Farroupilha.
> É filha dos agricultores Segundo Carmelindo Bortolanza, 82 anos, e Irma Gema Cecon (falecida em outubro de 2016).
> É irmã de Marli, Agostinho, Milton, Valtuir e Nelson.
> Fez um curso de corte e costura aos 12 anos.
> Casou aos 16 anos com Reni Anselmi. Está divorciada há 10 anos.
> A primeira produção de Maria foram 20 camisas, em 1981.
> Concluiu os ensinos Fundamental e Médio por volta dos 30 anos de idade. Cursou Gestão Empresarial pela FGV aos 47. — Minha mente abriu com as viagens internacionais, as feiras. Sempre fui buscar conhecimento. Tenho sede de aprender — diz.
> É mãe de Sandra, 44, Eduardo, 41, e Patrícia, 27.
> É avó de Martina e Helena, gêmeas de sete anos, filhas de Sandra e Nilo Borges, e de Iolanda, de quase dois meses, filha de Eduardo e Daiane Mattos Anselmi.
Veja as sedes da Anselmi:
Fotos acima: 1. 1981: Primeira sede da Anselmi, na Rua 14 de Julho, bairro São Luiz; 2. 1984: Segunda sede, na Rua Carlos Fetter, Centro; 3. 1986: Terceira sede, na Rua Independência, bairro Centro; 4. 1989: Quarta sede, na Rua Treze de Maio, bairro Centro; 5. 1997: Sede atual, na Avenida Pedro Grendene, Volta Grande.
Lojas
Além do parque fabril em Farroupilha, com atacado para lojistas, a Anselmi tem quatro lojas próprias. Veja:
> São Paulo (SP): Iguatemi JK – 2° piso
> Porto Alegre (RS): Iguatemi – 2° piso
> Gramado (RS): Av. Borges de Medeiros, 2753
> Tijucas (SC): Fashion Outlet
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