Os movimentos realizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos últimos anos para a regulamentação uso da cannabis no Brasil para fins medicinais têm despertado a atenção de uma série de investidores. De olho no potencial deste mercado, que foi aberto no país em 2015 com possibilidade de importação de medicamentos à base da substância, duas empreendedoras de São Paulo fundaram em janeiro a Dr. Cannabis. A startup pretende conectar em um portal online pacientes a profissionais e médicos que prescrevem, produzem e revendem canabinoides de forma legal. A iniciativa é a primeira a explorar esse segmento no país.
Para viabilizar o negócio, a empresa lançou, na sexta-feira passada, em um evento em Gramado, uma campanha de equity crowdfunding - modalidade de financiamento coletivo voltada a startups ou empresas em expansão. O objetivo é arrecadar R$ 750 mil, em seis meses, em troca de 15% do negócio. Ao todo, foram colocadas na internet 750 cotas, cada uma a R$ 1 mil, para investidores. Até a noite desta segunda-feira foram arrecadados R$ 7 mil. A companhia também já recebeu aportes de investidores-anjos e de um fundo de investimentos.
A fundadora e diretora-executiva da Dr. Cannabis, Viviane Sedola, destaca que hoje existem no Brasil em torno de 4 mil pacientes que utilizam produtos à base de cannabis e 800 médicos que prescrevem os medicamentos. Desde 2015, o país já importou quase 80 mil unidades de produtos deste tipo, segundo a Anvisa. Além disso, a Justiça já concedeu cerca de 20 habeas corpus permitindo o cultivo caseiro de maconha para uso terapêutico em pacientes com epilepsia, câncer e Parkinson. A tendência é que esses números sigam crescendo, conforme o mercado se abra e ganhe legislação específica no país.
- Nunca houve um mercado tão reprimido sendo aberto, como é o da cannabis, que cresce 30% ao ano. A Justiça e a Anvisa entenderam que uma regulamentação da cannabis medicinal é um caminho sem volta – aponta Viviane.
Atualmente, a Dr. Cannabis está realizando um mapeamento do mercado brasileiro, cadastrando médicos e pacientes que buscam terapias cannábicas. A venda de inteligência sobre esse segmento para empresas interessadas em operar na América Latina é uma das fontes de receita previstas pela companhia. A ideia também é explorar outras frentes, como a comercialização de cursos online sobre o uso medicinal da maconha. Ainda há a intenção de criar uma loja virtual, no formato de marketplace, que disponibilizará os produtos à base de cannabis.
- Vamos oferecer um balcão completo de cannabis medicinal legal, desde o conteúdo científico ao contato de médicos e os caminhos para facilitar a importação do que for prescrito – sintetiza a Viviane.
O uso dos medicamentos
Co-fundadora da Dr. Cannabis, a médica pós-graduada em neuro-oncologia Paula Dall’Stella foi uma das pioneiras na prescrição de medicamentos à base de cannabis no Brasil. Há quatro anos, ela acompanha pacientes que utilizam os remédios que são importados, principalmente, dos Estados Unidos. A utilização dos canabinoides pode ser feita por via oral, através de comprimidos, óleos e sprays, ou por aplicação de pomadas e cremes na pele.
- Muitas vezes no país de origem os produtos são tratados como suplementos alimentares e chegam ao Brasil na categoria de medicamento – explica.
No país, os remédios feitos a partir da cannabis têm sido utilizados no combate de doenças neurodegenerativas em geral, epilepsia, dores crônicas, entre outras. Segundo Paula, as substâncias ajudam a combater os efeitos colaterais de alguns tratamentos. No caso dos pacientes que fazem quimioterapia, o uso pode reduzir náuseas, vômitos e ansiedade, exemplifica a médica. Já nos casos de epilepsia existem relatos de redução no número de convulsões em pacientes.
A cannabis medicinal no Brasil
- A partir de 2015, a Anvisa passou a permitir a importação de produtos à base de canabidiol (CBD) e de outros canabinoides, entre eles o tetrahidrocanabinol (THC), para fins medicinais. Os produtos vêm principalmente dos Estados Unidos, onde são considerados suplementos alimentares.
- A importação desses medicamentos só é permitida para pessoas físicas, para uso próprio, e mediante prescrição médica.
- Em 2017, a Anvisa reconheceu a cannabis sativa como uma planta medicinal, incluindo-a no código oficial farmacêutico do Brasil.
- A pesquisa com a cannabis e seus derivados é permitida no Brasil. No entanto, ainda não há regulamentação sobre o plantio voltado para fins medicinais e de pesquisa.
- O cultivo de cannabis no Brasil está proibido e é considerado crime. No entanto, a Justiça já concedeu habeas corpus para pessoas plantarem e processarem maconha, em casa, para utilização em tratamentos medicinais.