Na reta final do mandato à frente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC), que representa cerca de 26 mil empresas, Carlos Heinen mantém a postura crítica ao governo que sempre foi sua marca.
Ao todo, foram quatro anos na vice-presidência da indústria e em dezembro fecham outros quatro (incluindo a reeleição) no cargo máximo da entidade empresarial, uma das mais importantes do Estado.
A despedida de Heinen da presidência coincide com o ano que ele considera mais complicado para a economia de todos que vivenciou. Para o cenário mudar, na visão dele, só há uma saída: o Estado passar a caber dentro daquilo que arrecada, sem penalizar a sociedade com aumento de impostos e sem adotar medidas que inibam a prática do empreendedorismo.
Natural de Lajeado, Heinen tem 62 anos e vive em Caxias há quase 40. É sócio-acionista da Vidroforte, casado com Roseli Zurlo há 26 anos e pai de quatro filhos. Confira a entrevista que ele concedeu ao Pioneiro.
Confira as últimas notícias do Pioneiro
Pioneiro: É unanimidade entre empresários e especialistas que esse é o pior ano da última década. Quais são os agravantes desse período em relação a outros anos complicados, como 2009, por exemplo?
Carlos Heinen: A situação atual nos faz lembrar de outras intempéries econômicas que vivemos. Em 2002, tivemos alguns problemas nas finanças e na produção do país. Em 2008, 2009 também, com a crise mundial e rápida recuperação em 2010. A partir daí, iniciou uma época de experiências desastrosas por falta de responsabilidade do governo, por indisciplina, e fomos caminhando para esse momento de falta de credibilidade, juntamente com falta de segurança. A parte política também foi se deteriorando e culminou com todas as descobertas de corrupção e outras situações. Então, o somatório de descrédito político, menor atividade na economia e também a questão ética dos nossos governantes e de alguns empresários levou a experimentarmos esse momento mais difícil e complicado do que os anteriores.
Esse é o ano mais complicado que já vivenciou estando no mercado de trabalho?
Sem dúvida nenhuma. Estou já há várias décadas trabalhando no setor industrial e esse momento que estamos passando há um ano demonstra uma capacidade menor de reação que em outros tempos, ou seja, é pior porque precisamos de um período mais longo para recuperação.
Você concorda com a tese de alguns economistas de que não chegamos ainda no fundo do poço e o pior está por vir?
Sim, nós temos projetado que até o final do ano teremos maiores índices de desemprego e mais famílias com problemas financeiros, tendo em vista o término de pagamento de valores de rescisões ocorridas no primeiro semestre. Então, esperamos que até o começo de dezembro vamos experimentar um amargor maior ainda na atividade industrial, comercial e de serviços, e também um desemprego mais intensificado.
Caxias já fechou mais de 10 mil empregos nos últimos 12 meses e você comentou que projeções apontam para mais desligamentos no curto prazo. Qual é o impacto disso no segundo principal polo metalmecânico do país?
Quando o desemprego é bastante forte na indústria, isso automaticamente enfraquece o comércio e os serviços. Então nos preocupa muito porque este momento de desemprego que ocorre nos últimos 12 meses impacta negativamente em toda a economia de Caxias. Já estamos enfrentando um comércio bastante fragilizado, os serviços têm uma menor baixa, mas já estão em queda também, e a indústria registra esse prejuízo superior a dois dígitos. E o que mais nos preocupa é que não vemos num curto espaço de tempo uma recuperação.
Enquanto esse cenário se mantiver, qual é a orientação para os empresários?
Temos conversado desde julho do ano passado para que os empresários tenham bastante prudência e que analisem com profundidade os investimentos que estão pretendendo executar. Uma das ressalvas com maior ênfase que damos é: cuide do seu caixa. É importante valorizar o capital que se tem e não promover nenhum investimento sem realmente prever o que pode acontecer com relação a credibilidade do governo.
Para os empresários de Caxias, preocupa mais a situação do Estado ou do país?
A situação especificamente do nosso Estado é histórica e realmente não teve ninguém que a enfrentasse antes, foram empurrando ano a ano com as possibilidades de utilização de fontes diversas, que não eram do governo, como financiamentos, recursos dos depósitos judiciais e algumas privatizações. Chegou o momento de encarar de frente uma situação de difícil administração, tendo em vista que hoje o imposto arrecadado, produzido pelos trabalhadores do Rio Grande do Sul, serve unicamente para pagar outros funcionários que são os públicos. Os próprios funcionários que trabalham no Rio Grande do Sul estão cansados de produzir riquezas e gerar tributos para simplesmente pagar folha de pagamento do setor público. A sociedade não aceita mais essa situação, tendo em vista que os impostos são sim para manter as instituições, mas também para voltar em forma de qualidade de vida para a população gaúcha. Não temos convicção de que a médio prazo irá se resolver o problema financeiro e econômico do Rio Grande do Sul, independentemente dos projetos enviados pelo Executivo ao Legislativo, temos certeza que em poucos meses eles se tornarão ineficazes quando se trata de aumento de tributos.
Que é o caso do aumento do ICMS (aprovado pela assembleia na madrugada da última quarta, após essa entrevista). Surpreendeu vocês essa decisão do Sartori?
Não surpreendeu porque é a mais simplista. Quando tentaram cortar custos internamente, cortaram algumas coisas pontuais, que não são consideradas no valor total. O aumento de impostos seria um maior recurso para os próximos meses, mas vai acabar também. A situação de revisão de tudo o que foi feito de errado nas últimas décadas tem que ser encarada de frente. Vai doer pra muita gente, vai. Vai haver reclamações, sim, do setor público principalmente. Mas a sociedade como um todo vai aplaudir porque está na hora do Estado caber dentro daquilo que arrecada.
E estamos nos caminhando para essa revisão de erros?
O ponto positivo do Sartori é que ele está enfrentando a situação real em que se encontra o Rio Grande do Sul. Em outros anos, tínhamos expectativas por promessas realizadas pelos legisladores. Isso não ocorre agora e sim um realismo da situação. De uma forma ou outra isso tinha que ter um início. Quem sempre esteve no governo com certeza tem seus direitos, mas nunca experimentaram o que a iniciativa privada sente no dia a dia. Dificuldades de produção, complexidade para pagamento de tributos, falta de dinheiro. O parcelamento de salários, que ocorre hoje no funcionalismo público, isso já aconteceu e existe seguidamente na iniciativa privada e os empregados entendem a situação. No setor público, parece que mesmo depois que pagaram os salários atrasados, alguns segmentos continuaram em greve. É difícil para a sociedade gaúcha entender isso.
No caso do governo federal, o que preocupa mais?
O governo federal também foi indisciplinado com as contratações em excesso, com a criação de secretarias, ministérios e outros órgãos. Como se o dinheiro nunca fosse acabar. E a conta chegou e eles não estão fazendo força ou se doando para consertar os malfeitos do passado e do presente e sim empurrando para a sociedade. O que se noticia na imprensa é sempre uma questão de alteração de impostos, seja nos combustíveis, na volta CPMF, no imposto de renda. Quer dizer, estão penalizando a classe média que tanto apregoavam que tinham valorizado nos últimos anos. O governo de uma forma geral dentro do custeio diário continua gastando mais do que arrecada. Nós já temos uma dívida pública federal na ordem de R$ 2,7 trilhões. Isso preocupa porque o juro é alto e o que gastamos para pagar essa dívida desordenada chega em torno de R$ 500 bilhões. Então sobra pouco para investimentos e faz com que os empresários sintam-se fragilizados para ampliar seus negócios.
No início do mês, o governador de Alagoas visitou a Todeschini para convidar a empresa a expandir no Nordeste. Esse foi só mais um caso de sondagem a companhias da Serra e alguns, sabemos, foram concretizados, como a Randon e a Volare. Caxias não tem uma política de atração e retenção de empresas. Como você avalia isso?
O Rio Grande do Sul como um todo é um Estado bastante fiscalista, em todos os níveis. Na questão de licenciamentos ambientais, que é o caso da Todeschini, isso sempre provocou uma ira dos empresários em virtude da complexidade burocrática que gera uma demora excessiva na liberação. Caxias conquistou recentemente a autorização para conceder pelo município as licenças para ampliações de novos empreendimentos. Com exceção de dois ou três casos que continuam na Fepam, os demais podem todos ser analisados pela Semma (Secretaria do Meio Ambiente) de Caxias. Foi uma grande conquista e isso mostra interesse do município para agilizar as licenças ambientais com o intuito de atração de novos empreendimentos.
Mas existem outros gargalos que levaram empresas embora, como problemas com infraestrutura, altos custos com logística, certo?
Sim, independente da medida da Semma, o que a Serra e Caxias enfrentam é uma deterioração da infraestrutura como um todo. Temos problemas sérios até de telefonia na nossa região, que também é infraestrutura, pois é um serviço concedido. No caso das rodovias, elas foram feitas há 40, 50 anos e o crescimento tanto populacional quanto de produção cresceu muito e nada foi feito visando beneficiar a competitividade das empresas. Isso dificulta a concorrência tanto com os demais Estados, como em exportações.
E esse movimento de expansão de empresas para outros Estados preocupa a CIC de Caxias?
Preocupa bastante, temos inclusive um Conselho Temático de Economia e Finanças que está estudando os possíveis desdobramentos do futuro de Caxias do Sul. É um tema prioritário para a CIC tendo em vista o esgotamento deste modelo de Caxias do Sul para o seu crescimento. Se olharmos para anos passados vemos que a economia da cidade se desenvolveu de uma forma bastante expressiva e já nos últimos anos vem mostrando queda ou estabilização. De uma economia caxiense bastante competitiva no passado recente, Caxias passou a ver ano a ano a capacidade de competir diminuir. Isso reflete a falta de infraestrutura, que reduz assim sua vantagem em relação a outras regiões.
O polo como um todo vem enfraquecendo...
Isso, e essa realidade tem levado empresas aqui estabelecidas a buscar melhores possibilidades, inclusive para sua sobrevivência. Vão para locais mais favoráveis, seja junto a seu cliente ou por questões infraestruturais. Nós temos que ter a partir de agora uma visão estratégica sobre a situação da nossa cidade e especialmente sobre o futuro dela. Temos que preservar esse crescimento para poder gerar empregos. Serão necessários em torno de 60 mil novas vagas até 2030 para mantermos um crescimento. Temos que construir uma nova economia, com maiores perspectivas, novas tecnologias, que permitam um desenvolvimento que seja compatível com os padrões que o mundo está experimentando.
Nesse sentido, é vital a construção de um polo de tecnologia para Caxias?
Sim, a CIC, junto com o município e a Universidade de Caxias do Sul, está trabalhando na implantação do TecnoUcs e em outros segmentos onde possa haver um avanço tecnológico.
O TecnoUcs tem previsão de funcionamento?
Não tem previsão, mas já iniciaram os contatos, já temos área cedida pelo município e o próprio setor de tecnologia e inovação da UCS está iniciando os primeiros trabalhos.
E como convencer uma empresa a se manter ou se instalar aqui, mesmo com essa carência toda de infraestrutura? Ainda temos atrativos?
Caxias tem a vantagem na atração de novos empreendimentos porque seja lá o que vai se fabricar, tem insumos e suporte de abastecimento aqui na cidade. A diversificação da nossa indústria e de nosso parque fabril é bastante atrativa. Muitas empresas aqui se instalam pela capacidade tanto de pessoal quanto de fornecedores, mesmo que não vendam para o Rio Grande do Sul, que vendam para outros Estados, porque o abastecimento de suas linhas de produção é garantido por empresas instaladas aqui.
O teu antecessor na CIC, Milton Corlatti, tentou carreira política. Tem pretensão de um dia seguir esse caminho?
Não. Temos bastante relacionamentos, articulações, mas a questão política realmente não está nos meus planos.