"Referência na música e, se nossa música é tão rica e reconhecida fora Brasil, é por conta do professor Caffi." Com essas palavras, o acordeonista e pesquisador do documentário Causos e Gaitas feito em 2021, Rafael De Boni, descreve um pouco da trajetória de mais de 70 anos do maestro, musicista e acordeonista Eleonardo Caffi. O programa com dois episódios é uma homenagem aos grande nomes do acordeom e deve ter mais capítulos gravados. Caffi foi professor de uma das duplas mais emblemáticas da história da música brasileira: os Irmãos Bertussi. Ele também é autor do Hino de Caxias do Sul e fundou em na cidade o Observatório Rossini.
— Ele sempre tocou e levou a sério o acordeom, foi campeão mundial do instrumento, e quando veio da Itália trouxe métodos diferentes como o Amzaghi, que aprendeu com um maestro que era pai de um amigo. Trouxe esse método na bagagem e o pai dele era um acordeonista talentoso também e então abriram um conservatório em Porto Alegre e Caxias. Além de um acordeonista nato ele dava aula de violão, de bateria, era um músico iluminado e inteligente — lembra Rafael De Boni.
Para o produtor musical, os ensinamentos de Caffi foram um divisor de água no acordeom e na música serrana, que ganhou o mundo:
— Essa fama que o gaiteiro serrano tem de cantar bem e de tocar difícil foi por ter aprendido com Caffi. Os Irmãos Bertuzzi que era uma dupla que ficou famosa pela técnica com os instrumentos e todos os outros músicos que se destacaram muito estudaram com o professor Caffi.
De Boni emociona-se ao lembrar que no começo do ano passado, quando gravou os episódios, o maestro tocou o instrumento depois de um hiato de muitos anos.
— Ele era muito querido, tocou um pouquinho pra mim e é uma lembrança que vai me levar pra vida. Ele modificou totalmente a minha vida, porque ele me testou, me fez tocar, deu conselhos e fico feliz de ter feito essa homenagem em vida a ele.
Marca na história da música no RS
O acordeonista Rafael de Boni lembra que Caffi deixa um legado musical e cultural. Ele conta que, além de ensinar os acordeonistas, o método que ele trouxe da Itália passou a ser usado por outros profissionais para estes ministrarem suas aulas em Caxias.
— Ele é, sem dúvida nenhuma, o responsável pelo desenvolvimento da música serrana. Toda a história dele é dedicada ao ensino de música e ao acordeom. Uma geração inteira de grandes nomes da música aprenderam com ele. Caffi é lendário e, a música que veio depois com acordeom, tão bem elaborada, foi devido ao professor Caffi ter chegado ao Brasil — ressalta o acordeonista.
O produtor musical Luciano Balen concorda que a atuação de Caffi no cenário cultural mudou a história da música no Estado e não apenas na Serra.
— Ele trouxe da Itália, de baixo do braço, um método de estudo de acordeom, que dividiu com os alunos e gerou lendas como Adelar Bertussi, que para mim tem a mesma importância do Luiz Gonzaga pelo que fez à música na história brasileira. Os ícones se tornaram lenda por causa do Caffi. Foi ele que mudou o caminho que a música tomou e está gravado na história da cultura de Caxias.
Professor dos professores
Eleonardo Caffi ajudou a formar as primeiras gerações de acordeonistas da região no Conservatório Musical Rossini, que tinha sedes em Porto Alegre e Caxias. O filho de Adelar Bertussi, o também acordeonista, Gilney Bertussi, lembra que o pai foi o primeiro aluno de Caffi, que também deu aulas a Honeyde Bertussi.
— Foi uma pessoa sensacional e maravilhosa e me passou conhecimento de vida, de amigos, que até hoje me servem e vão servir para a vida. O conhecimento musical é imensurável porque o Caffi foi o professor dos professores. O meu pai, Adelar Bertussi, foi o primeiro aluno a procurar por ele. Tem um relato no DVD do meu pai, que o professor Caffi, fala que o meu pai foi o primeiro e melhor aluno que ele teve — orgulha-se Gilney.
Ele também teve aulas com o maestro, assim como os familiares dele, que também são acordeonistas como os primos Daltro Bertussi, Paulo Siqueira e Aciolí Siqueira Machado. Também foi professor e orientou ícones como Darci Mandelli, Itajaíba Mattana e Edson Dutra e demais colegas do acordeom.
— Tínhamos uma ligação muito forte, além da relação de aluno e professor. Estudei com ele e a cada encontro era uma alegria. Era um mestre do acordeom — sintetiza Gilney.
Despedida
Maestro, musicista e acordeonista, Eleonardo Caffi, 93 anos. Autor do Hino de Caxias, composto em 1961 e oficializado pela Lei Municipal 4.492, em 1996, Caffi era um ícone no cenário musical da cidade. Ele morreu por volta das 22h de quinta-feira (9) no Hospital Saúde, onde estava internado há 15 dias por complicações de uma pneumonia. O velório de Caffi ocorre na Capela E, do Memorial São José, em Caxias do Sul. A cerimônia de despedida está agendada para as 18h, no Memorial Crematório São José de Caxias do Sul.
Hino de Caxias
Quando o dia sorrindo amanhece
E o sol beija-te a face risonha
Toda a terra de amor estremece
Ao bater de teus malhos... é a luta
De teu povo incansável e obreiro
Que os desígnios de Deus executa.
Em teus vinhos,ó seiva bendita
Deste solo de imensa riqueza
Vejo a esplêndida glória infinita
Que em teu seio divino se encerra
A exaltar o valor desta terra
De tão nobre, excelsa beleza.
Junto ao Campo dos Bugres surgiste
Carreteando o progresso aos penhascos
E qual marco bagual lança em riste
Deste ao pago do Sul nobre exemplo
E se a igreja da raça erigirem
Tu serás o altar deste templo.
Fruto são do esforço imigrante
Aliado ao esforço nativo
Te levanta, Caxias, vibrante
Aos clarins do progresso e da fama
Porque a glória é o sentido da luta
A que a vida afinal conclama.