A produção literária da caxiense Maya Falks sempre foi pautada por temas densos. Em Já não somos os mesmos (editora Penalux, 122 páginas) - com lançamento marcado para este sábado, no Zarabatana Café - a escritora uniu diferentes dores para criar o cenário da protagonista Priscila. Ambientada no período da ditadura no Brasil, a história revela a agonia de uma jovem estudante mantida sob todas as torturas do autoritarismo. A escritora falou mais sobre o livro na entrevista abaixo:
Almanaque: Qual a importância de se falar sobre ditadura no momento atual?
Maya Falks: O momento é muito propício porque passamos por quatro anos de um governo com viés autoritarista, não chegou a ser, mas a intenção era que fosse. Todo governo que tem essa visão é um perigo para as liberdades democráticas do povo. Neste ano de eleição, temos uma dicotomia muito forte, e precisamos lembrar que onde não existe liberdade, não existe democracia. É isso que o livro mostra. Eu não chego a reforçar as questões históricas da ditadura, o que busco é mostrar o lado pessoal, de alguém sofrendo os efeitos de um governo autoritarista. E nunca é tarde demais para se falar nisso, porque a ameaça é constante. É um tema sempre, e infelizmente, atual.
O universo da tua protagonista também aborda questões da saúde mental. Conta um pouco como foi trabalhar com essa temática e de que forma ela se integra à história?
Eu falo abertamente de saúde mental nas minhas redes sociais. Sou frequentadora do Caps, então tenho acesso também a pessoas com os mais diversos tipos de transtornos causados pelos mais diversos motivos. A saúde mental é uma questão que talvez não esteja recebendo o destaque que merece, o suicídio é uma das principais causas de morte no mundo. Integrei isso na história, primeiro porque era meu foco central trabalhar a fragmentação da mente de uma personagem sob uma situação máxima de estresse. Os regimes de exceção trazem uma dor física muito grande, sabemos que as torturas eram extremas. A gente pensa na violência física, na morte, no desaparecimento, mas a gente não pensa muito nos traumas.
A saúde mental não é levada a sério como deveria. Pessoas que sofrem de transtorno mental, não é só o risco do suicídio, elas deixam de ser pessoas funcionais, socialmente aceitáveis, enfrentam estigma social, enfrentam isolamento, incompreensão. Carregam um sofrimento que muitas pessoas jamais conseguirão mensurar. Quis ilustrar na prisão de uma ditadura porque considerei que a maioria do meu público teria empatia com uma presa política, uma vítima da ditadura. EW isso pode trazer para as pessoas uma noção do que é a nossa vida cotidiana hoje, onde muitas pessoas estão sendo arrastadas para transtornos mentais pelas mais diversas razões (cita como o desemprego, o isolamento, o bullying). Meu objetivo principal em trazer a Priscila nesse cenário é para mostrar o quanto a dor, a provação, a incerteza, a insegurança, as humilhações podem sim causar problemas.
"Já não somos os mesmos" reverbera a ideia de que momentos traumáticos causam feridas muitas vezes difíceis de curar. Mas me parece que a Priscila traz um lembrete de que parar de lutar não é uma alternativa. Essa também é uma das mensagens que você gostaria de passar com a obra?
Com certeza, porque no momento em que ela está naquele porão, ela mantém as motivações dela, mesmo que sejam fruto de delírio. É impossível ser a mesma pessoa depois de um período sob tortura, só que a Priscila dá a volta por cima, e essa não é realidade de todos, mas acho importante que se mostre. Não posso ocultar a verdade de que muita gente não suportou, mas uma das minhas grandes lutas é tentar mostrar que , apesar de tudo, a vida vale a pena, e às vezes é quase impossível perceber isso. Por isso é preciso que pessoas que passam por situações de limite na questão de saúde mental digam que no fim das contas o pior passa. Entre um período de dor e outro existe vida, existem relações, bons momentos, então, é uma coisa que eu trabalho no dia a dia.
A gente não tem como não carregar nossas próprias dores, elas deixam cicatrizes, mas elas passam, E as cicatrizes são apenas uma prova de houve uma sobrevivência. Essas feridas também são provas de que venci. Acho importante que as pessoas reconheçam cada pequena vitória. É uma batalha interna para quem está passando por isso, mas vale a pena sobreviver.
PROGRAME-SE
O quê: lançamento do livro Já não somos os mesmos, de Maya Falks.
Quando: neste sábado, às 17h.
Onde: Zarabatana Café (Centro de Cultura Ordovás).
Preço do livro: R$ 42.