Das janelas dos edifícios, papéis picados eram jogados e se espalhavam pelo chão. Documentos, relatórios, agendas e toda aquela papelada de escritórios picotados como forma de dar adeus ao ano velho. Do alto dos prédios, baldes de água também eram arremessados molhando os desavisados. Nas calçadas, jovens e adultos agitavam garrafas de sidra para, em seguida, "espirrar" o líquido uns nos outros. No meio daquela guerra de água e “espumante”, músicos indiferentes passavam com seus tambores animando locais e turistas, em um clima de quase Carnaval.
Era minha terceira vez em Montevidéu e a primeira na Festa de água e sidra, tradicional comemoração realizada no dia 31 de dezembro pelas ruas do centro e da Ciudad Vieja da capital do Uruguai. Casada com filho de uruguaio, eu já tinha ouvido falar muito da celebração de Ano-novo e quando fui atingida em cheio pelo jato de água que vinha de uma mangueira empunhada por um grupo de crianças do outro lado da rua, entendi exatamente o que meu marido queria dizer quando falava "tu não tem noção da folia que é o Réveillon em Montevidéu".
Impossível não entrar na brincadeira. Passamos horas correndo de um lado para outro, tentando desviar de quem tentava nos molhar, inclusive de um amigo uruguaio que vive em Caxias do Sul e passava as festas de fim de ano com a família no Uruguai. Na verdade, o que mais queríamos era tomar um belo banho para receber o novo ano de alma lavada — e também para refrescar, afinal, o calor era escaldante naquele último dia de 2015, na casa dos 40 graus!
Encharcados e grudando por causa da sidra, meu esposo, minha sogra e eu voltamos para casa dos familiares uruguaios onde estávamos hospedados. No ônibus, um rapaz entregou bilhetes para cada um dos passageiros. Imaginei que fosse um pedido de ajuda. Mas não. Eram desejos de um feliz ano novo. Fiquei extremamente tocada com a gentileza. E envergonhada por ter pensado que ele pediria dinheiro. "Só queria distribuir carinho", pensei.
Na casa de Kátia, que eu conheci naquele dia, mas já me chamava de prima, celebramos a chegada de 2016. Mesa farta com as delícias feitas pela tia Venus — ainda hoje fico intrigada pensando em que momento do dia ela preparava a comida já que nunca a via na cozinha —, boa bebida e música para bailar até amanhecer.
Montevidéu, que não era novidade para mim, me acolheu de uma maneira que eu jamais poderia imaginar. As redes sociais lembram anualmente, neste período do ano, a aventura em família, que teve ainda a presença do meu sogro, o único uruguaio de fato da excursão. Como se eu precisasse de lembrança de Facebook para recordar de uma das viagens mais especiais da minha vida.