Na casa da administradora Sandra Frainer, mãe dos gêmeos Ana Lara e o Victor Hugo, de 8 anos, repetiu-se a mesma cena que ocorreu na casa de Daniel e Maira. Se do outras vez, foi Caetano quem interrompeu a entrevista. Dessa vez foi a Ana. Por estar sem ideias de como fazer a atividade de artes, ela saiu da sala onde realiza as tarefas da escola, e veio até uma outra peça da casa, um apartamento de cobertura, para pedir socorro.
— Mãe, precisamos muito da sua ajuda — suplicou Ana, com um certo tom dramático, trajando um vestido de prenda.
— Estão vendo? É assim o dia todo — desabafa Sandra, 42, pedindo licença ao repórter e fotógrafo, que mantiveram o protocolo usando máscara e respeitando o distanciamento.
Minutos depois, Sandra sentou-se e como numa catarse terapêutica discorreu sobre os desafios de lidar com as crianças em casa, em meio a esse contexto pandêmico, de aulas virtuais, de seguir com suas rotinas profissional e do lar, e também, como se não fosse o suficiente, ter de enfrentar constantes reclamações do vizinho logo abaixo, que tem reclamado da "baderna" das crianças.
— Não tem sido fácil, viu. Eu sou viúva, e não tenho alguém com quem contar. No início da pandemia, foi bem difícil até eles conseguirem se adaptar às aulas remotas — conta.
Durante o tempo que a reportagem permaneceu no apartamento de Sandra, o que se viu foi crianças agindo com a vivacidade de qualquer outra da mesma idade. A "baderna" a que se referiu Sandra, foi o termo usado no termo da notificação que ela recebeu do condomínio onde moram.
— Meus filhos não são como esses da revista Pais & Filhos. Eles são crianças que brincam, correm, pulam, nunca gostei que eles ficassem presos aos aparelhos eletrônicos. E essas reclamações, sempre do mesmo vizinho, já tinham começado antes da pandemia. Moramos aqui há oito anos, e nunca tínhamos recebido uma reclamação das crianças — explica.
Apesar disso, Sandra disse que tomou providência com novas regras, para minimizar ainda mais o possível barulho que poderia estar incomodando. Sandra lista as ações que tomou: Crianças na cama às 21h50min e acordam, diariamente, às 8h30min; três vezes por semana, contratou uma professora particular, que vai em casa, para dar aula das 9h às 12h; à tarde, nas aulas remotas, cada um dos filhos fica em uma peça separada da casa; as crianças só podem brincar no andar de cima, da cobertura, em um ambiente com tapete no piso; e a cada 15 dias, as crianças ficam o final de semana com a avó paterna.
— Tomei inúmeras providências e é como se eu não tivesse feito nada. Mas o que me incomodou mais foi que o condomínio expôs os meus filhos. E aí que me pergunto onde está a empatia? Porque ela tem de ter duas vias, não só a minha com relação aos meus vizinhos, mas também dos outros, em saber que estou em casa sozinha, cuidado dos meus dois filhos, confinados em casa — desabafa.
No andar de cima, haviam diversos trabalhos das crianças expostos, pendurados em uma tela trançada na subida da escada. Em um dos desenhos, feitos por Victor, que aparenta ser mais tímido do que Ana, deixou impresso como vê a sua mãe. A tarefa consistia em listas cinco coisas que mais ama na mamãe. Na lista, além dos beijos, abraços, do cabelo e da comida, Victor citou o cuidado da mãe. Ou seja, apesar do contexto pandêmico, das muitas noites mal dormidas, e do coração à flor da pele, Ana e Victor reconhecem o cuidado, dedicação e amor da mãe.
Artur, sem h, quer ser youtuber
Artur é daqueles guris que adoram roubar a cena. Fosse ator, não se contentaria com papéis coadjuvantes. Em pouco tempo de convício com ele, é difícil saber se é mais ágil o seu olhar, seu pensamento ou suas ações. Inquieto, fala como quem tem urgência de expressar suas ideias e convicções. Quando explicou sobre seu interesse em ser youtuber, perguntei se era isso que ele sonhava ser quando crescesse. No entanto, corrigiu o repórter, dizendo que não é profissão só de adulto.
— Tem muitos adolescentes que são youtubers, alguns deles se comportam como crianças, mas também têm crianças, como um que tem oito anos, a minha idade — argumenta Artur, revelando posicionamento e conhecimento do mercado.
Aliás, quando perguntado qual era o seu nome, respondeu de uma forma que, entende, diminui mal entendidos.
— Meu nome é Artur, sem h.
Além de Artur, a jornalista Erica Finimundi é mãe da Isadora, de 12 anos, que estava em aula virtual no quarto dela. Para Erica, o maior desafio imposto pelas restrições da pandemia, foi manter os filhos estudando e fazendo alguma atividade física.
— Logo que começou a pandemia eu comprei um aparelho de ginástica e negociava com eles. Querem comer um chocolate ou uma coisa gostosa do mercado, tudo bem, mas vocês têm de fazer um tempo de atividade física no aparelho — conta Erica, 38.
Para dar conta dessa nova rotina, Erica preferiu abrir mão de uma atividade profissional.
— No início, eles não queriam participar das aulas online. Tive de fazer eles estudarem, com muito diálogo, explicando a importância disso, para que não perdessem o ano. Essa conscientização foi trabalhosa pra mim. Porque eu tive de participar ativamente das atividades da escola — explica.
Com relação às atividades físicas, Erica diz que o Artur precisou interromper as aulas de taekwondo, que fazia na ACTKD, na Vila Olímpica da UCS.
— Felizmente logo o professor dele começou a dar aulas online e depois de um tempo começou a vir em casa. Há uma semana, voltou com a aulas presenciais. Mas antes disso, foi tão bom porque o Artur conseguia fazer uma atividade pra gastar bastante energia — conta Erica.
Artur diz que sente saudades da escola. Na verdade, não é bem da sala de aula, como ele mesmo justifica:
— Gosto de aglomerar — diz, sorrindo, como se soubesse que sua piada é boa.
— Ah, é? Como assim, me explica melhor — questiono.
— Gosto de ir no "buzão" da escola, sair pra brincar na rua, andar de bicicleta, ir no cinema…
— Tá, mas e a escola, que tu diz ter saudades? — insisto.
— Na verdade, não tenho saudade das aulas, mas de brincar com os meus amigos no recreio.
— Isso que o Artur nem fez muitos amigos, porque ficou apenas 15 dias com aula. Viemos de Recife, e conseguimos vaga na Escola Imigrante, que começou mais tarde as aulas, e daí veio a pandemia e interrompeu as atividades presenciais — explica a mãe.