O começo da pandemia foi de aflição para a diretora teatral e educadora artística caxiense Márcie Vieira, ao perder a fonte de renda fixa prevista para este ano, como professora na Escola Preparatória de Dança, da Secretaria Municipal de Cultura. Especialmente para quem vive da arte e da cultura, um emprego com carteira assinada é cada vez mais raro. E quando a possibilidade se esvai, a perda é ainda mais sentida. Cursando o último semestre e cumprindo o estágio obrigatório da faculdade de Pedagogia, Márcie resolveu então se aprofundar nesta segunda profissão e em se preparar para os desafios que terá de encarar como pedagoga trans.
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– Quando o projeto foi cancelado, bateu o desespero. Mas logo coloquei na cabeça que iria aproveitar esse período para focar no estudo, principalmente na questão de gênero e sexualidade na educação. Foram aparecendo muitos cursos que eu sempre quis fazer, que originalmente eram presenciais e agora são oferecidos online. Cada um me mostrou o quanto há para ser explorado dentro dessa temática, principalmente na questão da expulsão escolar, que é tida como abandono, mas que muitas vezes se dá pelo fato do jovem diferente não se sentir acolhido pela estrutura do Estado – comenta.
Também com foco na educação, a caxiense irá participar como professora de técnicas de redação de duas monitorias voltadas para jovens em vulnerabilidade social, com foco em Enem e Vestibular. Uma é a nível nacional, promovida online pela ONG carioca Casinha Acolhida, que irá iniciar semana que vem. Outra é para a ONG caxiense Construindo Igualdades, prevista para ocorrer entre novembro e dezembro, meses que antecedem o próximo Enem.
Mesmo mergulhada na educação, a dramaturgia não ficou de lado. Márcie está trabalhando na direção de um monólogo do ator Darlan Gebing, viabilizado pelo edital FAC Digital, do governo do Estado. Intitulado (En) Quadrado, o trabalho irá ao ar em novembro, em vídeo para as redes sociais.
– Está sendo muito desafiador desenvolver um processo de direção e construção à distância, e ao mesmo tempo descobrir novos territórios nessa margem entre o que é teatro, o que é ensaio e o que já pisa no audiovisual e flerta com a linguagem de cinema. Afinal, que mistura é essa? – reflete.
Equilibrar a vida artística com a Pedagogia, mais do que uma realização pessoal, é buscar uma maior estabilidade financeira, que permita tocar projetos autorais sem a urgência de depender de recursos. Continuar dando asas à imaginação, mas com os pés no chão e cada vez mais firme no propósito de defender a bandeira LGBTI +. Um passo a mais rumo ao “eu mais autêntico e feliz”, que é como define o momento atual. Tem a ver com a construção dia a dia da sua identidade não binária, que não cabe no conceito de masculino e feminino. Em 2015, a artista mudou a última letra do nome. A terminação “O”, de batismo, deu lugar ao “X”. No início deste ano, adotou a terminação em “E”. Outra meta de Márcie para este ano, aliás, é retificar o nome social em cartório:
– Cada vez que olho para aquele meu outro nome, mais eu sei que ele não me representa. Hoje olho no espelho muito mais tranquila, pois já não me preocupo mais com o que as pessoas pensam ou falam. Aliás, que bom que elas podem pensar e falar! Mas muitas pessoas ainda sofrem com o preconceito e por isso é importante ter professores trans, pois a escola é um dos lugares onde essa violência é mais comum e a necessidade de acolhimento é ainda maior.