Da mesma forma que emudeceu os palcos, a pandemia de coronavírus silenciou também a batucada nas ruas e salas de aula onde chegava a Sucata Sonora do percussionista e educador social Waltenisson de Jesus, o Tonico de Ogun, 39. Com a suspensão das oficinas de dança, canto e percussão afro que ministrava em escolas públicas, em parceria com a professora Vanessa Carraro, o sergipano de Aracaju radicado em Caxias do Sul perdeu a principal fonte de renda para o ano. Convive, desde então, com a agonia que atinge a classe artística:
– A gente se devota à arte e vive o ônus e o bônus dela. O projeto do Financiarte, de levar para a molecada a questão negra pelo ritmo, pela reciclagem, era minha garantia. Quando os colégios fecharam, a ideia era retomar quando possível. Mais quase cinco meses já se passaram. Por serem escolas públicas e muitos estudantes não terem acesso à internet, não podia fazer as aulas online. Então esse dinheiro está parado e meu medo é que o ano vire, o prazo do projeto expire e o valor tenha de ser devolvido – diz o músico, que também faz parte da banda Forró Fino.
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Sem o Sucata, projeto que se estende a parcerias igualmente suspensas com o Sesc e com o Festival Música de Rua, Tonico teve que recorrer ao cachê que recebeu como percussionista da banda do Bloco da Velha, no Carnaval, para manter as contas em dia. No sufoco, se vira com os R$ 800 que ganha como educador musical na Fundação de Assistência Social (FAS), desenvolvendo oficinas de música junto a moradores de rua – no momento acolhidos pela entidade na antiga sede do CAPS Reviver, no bairro Cinquentenário.
– Eu faço musicoterapia com eles, sendo que na verdade eu é que já estou ficando surtado (risos). Tive que me expor ao risco de pegar o vírus pela necessidade de realizar esse trabalho e manter pelo menos essa renda – conta Tonico.
Representante do folclore no Conselho Municipal de Política Cultural, Tonico acompanha de perto a dificuldade dos artistas em receber auxílios emergenciais, muito graças à lentidão do poder público em todos os níveis. A angústia destes dias sem precedentes é aplacada pela música, agora tocada em casa, para si próprio ou para quem o acompanha na internet, onde posta vídeos e participa de algumas gravações à distância, com músicos locais e nordestinos.
– Mesmo tendo perdido o fator principal que me move, que é o calor humano, sigo emanando positividade, tocando meus instrumentos, oferecendo música aos orixás e sendo minha própria plateia. A percussão me move, me sacode, é meu mantra, minha terapia. É o que me mantém forte e equilibrado.
A produção de quarentena do sergipano, tanto apresentações rítmicas breves quanto algumas oficinas de percussão, podem ser conferidas no seu Instagram (@tonicoogun). Na próxima terça-feira, às 19h, Tonico de Ogun será o convidado de uma live do coletivo antirracismo @movimentoblackrs, de Porto Alegre, no Instagram. As pautas serão Negros na Serra Gaúcha e A Educação Pela Arte.
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