Interações entre a arte e a vida real podem ocorrer de diversas formas. No teatro, uma delas é pelo discurso, em que a dramaturgia joga luz sobre a realidade cotidiana, para gerar emoções e debates a partir de uma perspectiva poetizada. Outra é pelo corpo a corpo, em que o artista sai do palco para misturar arte e realidade no ambiente urbano, algo que se convencionou chamar de "intervenção" ou "performance". Há 36 anos, o grupo de teatro Galpão, de Belo Horizonte, reflete a vida de muito brasis em encenações premiadas e que já circularam por todas as regiões do país, além de outros países. Seu espetáculo mais recente, Outros, chega a Caxias do Sul nesta sexta-feira.
Tendo como mote a difícil conexão entre as pessoas, em nossa sociedade cada vez mais polarizada e fechada para o diálogo, o elenco buscou nas ruas da capital mineira a inspiração para o espetáculo, dirigido por Marcio Abreu. A iniciativa partiu de uma oficina de performance, em que cada ator foi provocado a interagir com transeuntes e com o cenário das ruas, em intervenções individuais ou coletivas. Ao longo de uma semana, os artistas desenvolveram desde um jogo da memória com objetos catados no lixo, até um conserto de roupas com uma máquina de costura colocada numa das ruas mais movimentadas da cidade, ao som se Chiquinha Gonzaga. Do fruto destas ações saiu o argumento para Outros.
— É um espetáculo sobre o momento atual que estamos vivendo, no qual se percebe a dificuldade cada vez maior de buscar o outro. Existe uma falta de escuta e de comunicação que é agravada pelas redes sociais. Nesse sentido, ao invés de uma narrativa linear, temos 10 atores cujas falas ocorrem meio em paralelo, não se conectam entre si. É uma forma de mostrar como nossas falas não geram comunicação no mundo de hoje. Os discursos não repercutem mais no outro, não tocam naquele que pensa diferente — destaca Eduardo Moreira, ator e um dos fundadores do grupo.
Formado por 12 pessoas, o Galpão atua com diretores convidados. Marcio Abreu também foi o responsável pela última montagem do grupo mineiro, Nós (2016), que refletiu o cenário brasileiro à época do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff. A mensagem passada pela reiterada parceria entre o elenco e o diretor, contudo, não é política, nem partidária. No entanto é, sim, social. Defende a liberdade e a preocupação com o próximo (alteridade) em tempos de obscurantismo.
— A gente não faz nenhuma referência direta a nenhum episódio ou personagem atual, mas fica claro que o espetáculo reflete o momento em que estamos vivendo, de intolerância, falta de escuta e impossibilidade da relação entre dois que pensam diferente — acrescenta Moreira.
Na véspera do espetáculo, quinta-feira, os membros do grupo irão participar de um bate-papo, voltado para a comunidade teatral e aberto ao público em geral, no Teatro do Sesc (Rua Moreira César, 2462). Será a partir das 19h.
Agende-se
O quê: espetáculo Outros, do grupo Galpão
Quando: sexta-feira, às 18h e às 21h
Onde: Teatro Pedro Parenti (Casa da Cultura), em Caxias do Sul
Quanto: R$ 30 e R$ 15 (meia entrada), à venda na bilheteria e em sympla.com.br/grupogalpao