A palavra ganha corpo e o corpo vira imagem através da poética de Helenne Sanderson, no Festival Internacional da Poesia, realizado na tarde de sábado, no Instituto Cultural Taru, em Caxias. Em tese, a atividade era muito simples, dar espaço para que os surdos pudessem ler e declamar poesia através da tradução da língua de libras. Ideia sensível, original e 100% inclusiva, parabéns aos envolvidos. Mas havia um precioso detalhe a ser levado em conta. Como transpor a barreira da metáfora, que é a figura de linguagem, condição essencial e primordial para um texto poético?
— A língua portuguesa para o ouvinte é muito diferente da língua de sinais, a forma como vocês falam não é a forma como o surdo fala. É difícil explicar — resigna-se a caxiense Carilissa Dall'Alba, 33 anos, uma das líderes do projeto Legenda para quem não ouve, mas se emociona, que há 15 anos luta por legendagem dos filmes brasileiros nas salas de cinema.
Carilissa aborda um aspecto especial da inclusão. Trata-se não apenas de oportunizar um espaço, mas dialogar através de uma gramática que una surdos e ouvintes. Porque a língua é a mesma, surdos ou ouvintes usamos o português. Mas é preciso levantar pontes de palavras-gestos para que a poética seja compreendida por todos.
A poeta Helenne é baiana, nascida em Barreiras, mas mora em Caxias há seis anos. Ela declamou três poemas (Decisão e outros dois sem título) do jornalista e poeta Dinarte Albuquerque, do livro 3, que foi traduzido em libras por Aline Cardoso da Silva, que trabalha com língua de sinais na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul.
O desafio foi enorme não apenas para Helenne, mas também para Aline, justamente por conta do texto do Dinarte conduzir o leitor à introspecção. Mas a tradução em libras fez as palavras ganharem corpo e imagem através dos sinais.
— Como um surdo vai fazer poesia? — questiona Helenne, 31, para logo em seguida responder:
— Mas nós também temos emoção para expressar, porque o surdo também tem a poesia dentro dele.
Tomada de coragem e poesia nas veias, Helenne emocionou a plateia com a leitura e interpretação do poema Cultura surda e cultura ouvinte, escrito por ela. O texto encerra com uma ressignificação poética, linda, doce e emocionante. Ela conduziu os ouvintes a entenderem a sua língua através da metáfora do gesto. E talvez resida aqui a maior arma que romperá a barreira que um dia se impôs entre surdos e ouvintes: a poesia do gesto que é tão ou mais potente do que a própria palavra dita - ou escrita.
Quem esteve no encontro nunca mais vai se esquecer do gestual que revela como nasce uma flor. Desde a semente que rasga o solo, com seu tímido caule que cresce devagar e da sua ponta surge a flor que toca as narinas de Helenne, que de olhos fechados suspira com o perfume dela.
É a clara demonstração de que a poética até ocupa livros, filmes e músicas, mas é maior do que todas as manifestações da arte, porque é a testificação de que somos ainda seres sensíveis. Ou seja, a poética é a narrativa da vida a partir do olhar sensível, que estende pontes e derruba muros.
Sê bem-vinda palavra-gesto a nos ensinar uma nova gramática que aproxima surdos e ouvintes.
Poesia no Mundo
O sarau de poesia realizado pelo Taru, no sábado, dia 11, faz parte da rede Festival Internacional de Poesia Palavra no Mundo, criado em 2007, com o objetivo de promover a leitura em todos os continentes durante o mês de maio.