Servidor público desde os 18 anos, Joelmir da Silva Neto, 31, assumiu a Secretaria Municipal da Cultura há pouco mais de duas semanas, quando do pedido de demissão da então titular da pasta, Adriana Antunes. Preferiu esperar alguns dias para conversar com a imprensa: mesmo atuando há cinco anos e meio na secretaria, em áreas mais administrativas, quis se inteirar primeiro da situação de todos os setores da pasta e começar a traçar seu planejamento. Também queria ter respostas concretas em questões como o Financiarte, cujos recursos anunciados na última semana, R$ 600 mil, representam um quarto do montante inicialmente previsto, R$ 2,4 milhões.
— É um valor bem baixo — admite Joelmir, destacando o momento econômico complicado e garantindo que para o próximo ano irá batalhar para aumentar o total de recursos destinados ao programa.
Confira a conversa com o Pioneiro:
O fato de você ser servidor público, de estar tanto tempo na secretaria, no que isso interfere no seu planejamento, nos seus planos para a Secretaria?
Eu acredito que é positivo isso, pelo fato de a gente estar à frente de uma pasta um histórico já de 20 anos, e essa vivência como servidor, mesmo que eu tenha passado por setores mais burocráticos, como prestação de contas da rede de pontos de cultura, na época em que a gente tinha o convênio federal, e depois eu passei pelo financeiro, e por último, pelo departamento de arte e cultura popular. Mas esse trânsito, e também por trabalhar com os centros de cultura e com o financeiro, me deu muito conhecimento de todas as áreas da secretaria, ficando a par de todos os processos e projetos, porque a gente sempre trabalhava com a burocracia de todos os eventos, Caxias em Cena, Feira do Livro, Caxias em Movimento... Isso deu uma boa base para que agora eu possa ter um planejamento, um aprimoramento dessas áreas.
Quais os desafios para a gestão da pasta?
Um desafio que qualquer um encontraria nesse momento, que é a situação econômica, a nível nacional. Você vê prefeituras fechando secretarias, fazendo fusões, como até chegou a surgir boatos de que ocorreria aqui. Então esse é o maior desafio, dentro de uma situação econômica difícil, tu conseguir manter a qualidade e o ritmo dos serviços oferecidos. A gente é consciente de que a qualidade pode ser buscada não só com recursos, mas a oferta, o número de ações oferecidas, ele sofre um impacto num primeiro momento, até que se consiga se reestruturar e trabalhar com sem esse aporte.
E quais as suas prioridades neste momento?
Eu tenho como muito certo a ideia, que já era da então secretária Adriana (Antunes), de fortalecer a descentralização das ações, sejam elas um evento ou atividades de formação. Esse é o foco. Participando das pré-conferências (da Cultura), deu para perceber que a Secretaria da Cultura ainda é pouco conhecida dentro das comunidades. A gente tem lideranças, às vezes, que não sabem para que podem procurar a secretaria. Não sabem, por exemplo, que a gente tem o projeto de oficineiros, por mais que tenha 13 anos já, ainda tem oficineiros que não sabem que podem vir se inscrever e dar aulas na sua própria comunidade. Então, esse é o foco principal, a descentralização dos serviços, tornando a cultura acessível para o maior número de pessoas. Também queremos trazer a comunidade para as nossas ações, para a Casa da Cultura, para ações que a gente já está desenvolvendo e vai aprimorar aqui na estação, como o Domingo na Estação, que a gente fez durantes este ano uma vez por mês e agora vai transformar em trimestral, para poder proporcionar mais atrações artísticas e chamar mais público.
O Financiarte deste ano terá apenas R$ 600 mil, após ter sido anunciado no início do ano que poderia chegar a R$ 2,4 milhões...
Quando a gente estava discutindo o Financiarte, no início do ano, chegou a sair a informação de que seriam disponibilizados R$ 2,4 milhões, de acordo com a lei orçamentária. Em seguida, veio o bloqueio das contas do (caso) Magnabosco, e mesmo após o desbloqueio, a situação continuou difícil. Então lançamos o edital já com o anúncio de que no final do processo iríamos apurar a situação do município para disponibilizar o valor. Quando as comissões terminaram suas avaliações, eu peguei a relação, deu cerca de 60 projetos recomendados, o que somaria R$ 1,9 milhão. Remetemos um memorando à Gestão e Finanças questionando qual o valor disponível, e retornou para nós na quinta-feira com o valor de R$ 600 mil. Isso nos surpreendeu, é lógico, esperávamos que chegasse a um pouco mais, para a cultura ficar melhor atendida. Os projetos recomendados todos são projetos muito bons, as comissões trabalharam com muita seriedade na avaliação, para entregar produtos de qualidade para a cidade. É óbvio que isso vai impactar na cultura da cidade, no fomento, na produção, mas ao mesmo tempo vão ser contemplados os 18 projetos com as melhores notas. A comunidade vai ter poucos projetos, não tantos quanto o esperado, mas vai ter bons projetos.
Para o ano que vem, pode-se ter a garantia de que o Financiarte continua?
Em momento algum foi considerada a hipótese de extinguir o Financiarte ou de não ter o Financiarte. Ele é um importante instrumento de fomento à cultura, ele acabou se tornando nos últimos anos, se não a principal, uma das principais (ações) da cultura. Porque a cultura vem se tornando, nos últimos anos, os eventos e o Financiarte. Foram deixadas de lado muitas bases, muitas atividades que de fato seriam a raiz da cultura. Então com a recuperação econômica do município, que já está acontecendo, ela nos dá esperança agora de batalhar e ter um Financiarte 2018 dentro do esperado para atender essa ânsia por cultura que há em Caxias do Sul.
Os valores vão subir ano que vem?
Não talvez em relação aos anos anteriores, mas em relação a este ano, com certeza, a batalha será por isso.
Em um recente seminário sobre o futuro de Caxias, foi pontuado que se espera que a Maesa não seja apenas um espaço para abrigar secretarias e entidades, mas que seja realmente usufruído pela comunidade, como um espaço de cultura...
Algumas secretarias, como a da Segurança, e alguns setores, irão (para a Maesa). Mas a ocupação macro, ela será realmente de acordo com aquele plano entregue para o Estado ainda ao final da gestão passada. A gente não está desrespeitando ou desconsiderando o trabalho feito pela comissão anterior, mas trabalhando a partir dali. Aquele plano de intenções está sendo estudado com muita seriedade e a ideia permanece, de um mercado público, um teatro amplo... Só realmente o que se precisa é de um estudo, um projeto, que diga onde é a melhor área para o teatro, onde se pode romper, porque o teatro precisa de altura. Mas o objeto cultural e histórico, de repente um museu da metalurgia, está tudo dentro daqueles estudos e agora é só aprimorar e discutir a melhor forma de implementar, e os melhores locais dentro desse complexo todo para se encaixarem.
Nos últimos tempos apenas alguns museus caxienses estão abrindo aos finais de semana, em sistema de rodízio, e há rumores de que a administração desses museus passaria para o Turismo, dentro talvez de um projeto de fusão das duas secretarias. O que há de verdade nisso?
A questão do rodízio, ela foi feita por uma questão de recursos humanos. Por mais que a nossa secretaria pareça ter bastante gente, ela é muito grande, tem a estação férrea, todos os seis museus, o Centro de Cultura Ordovás, a Casa da Cultura, a Biblioteca Pública, o Arquivo Histórico, então o quadro ainda é pequeno para conseguir manter ações também durante os finais de semana. Então, para otimizar os nossos recursos humanos, optamos por discutir esse ponto com o Turismo, pois os museus têm esse viés turístico, e se chegou à necessidade de fazer esse rodízio, porque também pela questão econômica a gente estava com uma redução muito grande de horas extras, a gente não tem mais este ano como nomear servidores, estamos no limite da lei para 2017, e estava gerando um banco de horas que os servidores não estavam dando conta de tirar, daí a necessidade de adequação. Quanto à questão de fusão ou passar a gestão de museus para outra pasta, isso realmente foi um boato, um rumor, pois internamente isso não se falou. O Turismo é muito parceiro nosso, mas em nenhum momento se cogitou a fusão.
Muitos produtores culturais e entidades reclamam que tentam falar com a secretaria e não conseguem. Como o senhor pretende lidar com isso?
A secretaria sempre procurou estar aberta. A gente tem uma demanda muito grande de agenda, muitas pessoas, entidades, querem tratar com a gente. Eu pretendo, sim, dialogar, ontem já chamei o Conselho para avisar do valor do Financiarte, antes de divulgar para a imprensa, por respeito ao Conselho, e pretendo, sim, receber, estar aberto. Quero fortalecer o nosso Departamento de Arte e Cultura Popular, porque ele é um setor que pode filtrar muita coisa, está ali para receber toda a demanda, ele é amplo, permite receber todos os setores, seja artístico ou da comunidade mesmo. Mas o gabinete, eu, como secretário, estamos sempre disponíveis, mediante agendamento, assim como na sexta recebi o pessoal da classe teatral e do Conselho para tratar do prêmio à montagem, que este ano acabou, por questões econômicas, não acontecendo. Eles questionaram a questão da dotação orçamentária, mas a dotação é um papel, um valor previsto, não um orçamento consolidado, e com toda essa situação a gente precisou fazer um enxugamento. Todos os nossos grupos, a Orquestra, a Companhia de Dança, o Coro Municipal, tiveram reduções significativas dentro de seus gastos, mediante a necessidade de otimizar os recursos neste ano. Não é uma área x ou uma área y que está sofrendo o impacto, é uma adequação geral mesmo.
Recentemente foram anunciadas as saídas dos coordenadores da Companhia de Dança e da Unidade de Cinema e Vídeo. Esses cargos serão repostos, ou há a possibilidade de essas unidades serem fechadas?
Tudo continua. A questão do desligamento de cargos em comissão, com todo o respeito por esses profissionais, que fizeram um excelente trabalho, mas realmente eles foram convidados pela ex-secretária Adriana, e agora eu tenho outros planos para essas áreas. Mas a companhia e a unidade continuam. Até o final do ano, vamos seguir o trabalho com o pessoal interno. Já temos uma programação, até houve o cancelamento de uma ação de dança porque coincidiu com o Mississippi (festival), então a gente não tinha de novo a questão dos recursos humanos para dar conta, mas a agenda já está feita, o coordenador artístico continua, a unidade funciona, e temos servidores que já trabalharam e vão poder dar um suporte até o final do ano. Em breve, com a reestruturação, teremos os novos nomes.
Que marca o senhor gostaria de deixar da sua gestão?
Eu gostaria realmente de deixar uma marca de diálogo, tanto interno quanto externo. Sendo servidor, eu preciso valorizar e trabalhar com meus colegas, de uma forma muito aberta. Eu tenho colegas do administrativo, com quem eu posso trocar experiências de gestão, mas também tenho colegas servidores que são do ramo artístico também, e é dividir essa experiência, aproveitar a formação para deixar a cultura de Caxias, pelo tempo que eu ficar, mas se eu ficar os três anos, terminar com a população conhecendo mais as ações da Secretaria da Cultura. A cultura como um todo, mas também a secretaria, que eu considero ela pouco conhecida ainda pela comunidade em geral. A gente tem os artistas, os públicos que nos conhecem, mas tem muita gente que não é atingida por ações nossas, então esse é o meu objetivo: tentar levar a cultura mais para os bairros, e trazer mais a comunidade para as nossas ações, torná-las mais acessíveis, mais conhecidas, mais populares também, de certa forma, para a comunidade chegar, participar e se sentir bem com a nossa cultura.