— Não nasci no Sul por engano.
A frase de Nívea Maria traduz bem a relação que a atriz paulista desenvolveu com o solo gaúcho nos seus 70 anos de vida e 54 de carreira. Essa relação, que passa por várias novelas e minisséries filmadas por aqui — inclusive na região da Serra —, intensificou-se nos últimos meses, durante as filmagens de Tempo de Amar, nova novela das seis, que estreia nesta terça-feira na RBS TV.
A trama de Alcides Nogueira, com direção artística de Jayme Monjardim, teve diversas cenas filmadas na região, principalmente em Bento Gonçalves, e traz um amor que vence as adversidades e o tempo. Nívea Maria interpreta Henriqueta, tia de Inácio (Bruno Cabrerizo), o mocinho da história. Inicialmente, conta a atriz, seria uma participação breve, mas a personagem acabou crescendo e poderá ser vista até o final da trama.
— Ela é a figura maternal da novela, aquela mulher que tem a sensibilidade e a firmeza, tem o colo para oferecer — antecipa Nívea Maria.
Confira a entrevista que ela concedeu ao Pioneiro:
Pioneiro: Como foi a temporada gravando na Serra?
Nivea Maria: Foi ótimo. Na segunda semana das gravações da novela, nós fomos para Bento. Quando fui convidada pelo Jayme (Monjardim, diretor) e pelo Alcides Nogueira, fiquei muito feliz. O Alcides é um autor com quem eu já tinha trabalhado, e com o Jaime eu tenho um carinho muito especial porque com ele realizei grandes trabalhos em novelas e fiz uma minissérie que também gravamos aí no Sul, A Casa das Sete Mulheres, que me fez resgatar o prazer da minha profissão, o prazer de interpretar. Eu gosto muito do Jayme, acho um diretor de uma delicadeza, de um talento, de uma sensibilidade para orientar os atores. Já estão sendo mostradas nas redes sociais, na mídia, as imagens lindas da novela. Eu fui convidada para uma participação de alguns capítulos, mas aí resolveram que eu sigo até o final de Tempo de Amar.
Fale um pouco da Henriqueta, tua personagem...
A Henriqueta é a figura maternal da novela, aquela mulher que tem a sensibilidade e a firmeza, tem o colo para oferecer, a grande mãe da novela. Ela é de uma cidadezinha pequena em Portugal, ela está na fase de Portugal, é uma doceira, uma mulher que trabalha muito, que não tem muitos recursos. Sozinha e solteira, criou o sobrinho, que é o personagem do Bruno, o Inácio, que é um grande galã, um dos pontos do triângulo amoroso da novela, junto com a Vitória Estrada e com o Jair Monjardim, que seria o vilão. Ela tem uma sobrinha que também passa a morar com ela, a Lívia Aragão, que é uma querida. Então, eu estou de braços abertos para esses personagens jovens da novela, passando experiência, amor, orientação, mas ao mesmo tempo sendo firme, uma mulher muito lúcida, de muita sensibilidade. Uma personagem que com certeza o público vai gostar. É um desafio, porque apesar das pessoas dizerem que a gente é veterano, que a gente já fez muitos trabalhos, que a gente tem uma história dentro da televisão, a cada trabalho a gente está aprendendo, a gente tem de se reinventar, de se atualizar com as coisas novas que estão aí. Eu tenho muita experiência com novelas de época, a grande maioria das minhas novelas, das minhas personagens, foram de época, mas é muito desafiador. E eu fico muito feliz de continuar, com 54 anos de carreira, 70 de vida, ainda produtiva e atuando dentro da televisão, do teatro, do cinema.
Leia também:
Sociólogo e escritor italiano Domenico de Masi reflete sobre trabalho, futuro e Brasil
As memórias de Ferronato, produtor de inesquecíveis espetáculos da década de 1980 em Caxias
Coreia do Norte sem medo
Como que é isso de voltar no tempo, de fazer uma novela que se passa lá em 1920? O desafio é maior?
O trabalho é muito sério, no sentido que você tem de fazer uma pesquisa, além dos workshops, de tudo da realidade da época. O comportamento, a figura da mulher dentro da sociedade, a postura diante de alguns problemas, política da época, a classe social em que você vivia, isso tudo para levar com a maior verdade com o público. E o público viaja com a gente para essa época, que traz muitas coisas bonitas, a realidade da nossa história. O público tem de se identificar, principalmente. Então, a gente tem de estar bem dentro desse universo para bater no coração do público que está assistindo, de alguma forma a novela de época leva o público a ter mais interesse dentro da dramaturgia, porque de alguma forma você também está ensinando um pouco de história, com as novelas de época.
Você fez "Sol Nascente" ano passado.
Isso, eu fiz Sol Nascente, que também seria uma participação sendo irmã de uma das grandes atrizes, que é Laura Cardoso, e que me deu uma oportunidade de fazer uma mulher mais "safadinha", mais malandra, mas na verdade de sensibilidade e dignidade, que no meio do caminho, reconheceu os erros e se apaixonou. O amor por outra pessoa ou por alguma coisa que você gosta ou que você queira fazer, sempre melhora o ser humano, deixa-o um pouco mais solidário, mais simples, mais humilde.
E, no ano anterior, você fez "Além do Tempo", que também teve cenas gravadas aqui na Serra. Não lembro se você chegou a vir pra cá, na época, gravar...
Eu não nasci no Sul por engano. Vários trabalhos meus eu fiz em cidades do Rio Grande do Sul, Garibaldi, Uruguaiana, Pelotas, Bento Gonçalves, Gramado... O que vocês têm de natureza como imagem é plasticamente muito lindo e enriquece muito nosso trabalho. Eu fiz aí Além do Tempo sim, que também era um personagem muito forte, uma mulher angustiada, meio amargurada, mas que me deu muito prazer me fazer.
Também teve aquela fase que era de uma época passada e virou uma fase atual...
Pois é, tinha um lado espírita da novela, espírita não religioso, mas de uma crença que você volta, depois você vai para além do tempo, e pode voltar e de repente reparar alguns erros que cometeu. Eu gosto muito desse universo, desses assuntos, porque está ligado à minha profissão. Como explicar o trabalho que a gente faz? Eu sempre digo que tem duas explicações, uma é um dom, que você passa a ter, e o outro é o lado infantil, que você nota numa criança, ela brinca de ser alguma coisa, e a gente mantém essa criança dentro da gente durante a vida quase toda fazendo nosso trabalho de atriz. O meu personagem é o meu brinquedo imaginário.
Falaste do Jayme, que te fez resgatar o prazer de interpretar. O que desperta em ti quando estás em um trabalho, seja na TV ou no cinema?
Pois é, a gente tem as pessoas vendo a gente nos vídeos, na tela de cinema ou no palco e acha que a gente é diferente de todo mundo, mas temos vida pessoal, com os mesmos problemas de qualquer pessoa, seja dentro da família ou problemas de saúde, de separações, de dificuldades financeiras, e paralelamente você tem de viver personagens que são felizes ou que são alegres, e as vezes quando vocês está muito feliz em sua vida, viver personagens exatamente o oposto, que são tristes, amargurados, revoltados, então essa é a magia da profissão. Então quando você encontra um diretor que te dá a liberdade de propor dentro do seu personagem, o Jayme, quando eu digo que eu resgatei (o prazer de atuar), é porque eu vinha há algum tempo fazendo na televisão personagens parecidos, numa faixa etária em que os personagens eram sempre mãe de família sem muitos conflitos e problemas, e aí veio A Casa das Sete Mulheres e eu pude mergulhar num personagem mais rico, além de ser de época, mas uma mulher completamente diferente de mim, que sou muito brincalhona, muito leve, muito sorridente, muito piadista, e ali eu tinha uma mulher amarga, triste, uma mãe má com as filhas, que tirava as liberdade dos filhos, que não tinha diálogo, uma mulher só, revoltada, então com esse personagem eu tive a felicidade de dizer "Meu Deus, ainda podem aparecer personagens que vão me encantar".
Tu tens alguma preferência pelas personagens boas ou pelas más?
Não, não tenho preferências. Inclusive, no teatro, as pessoas sempre dizem, "você devia fazer muita comédia", e eu fiz já no teatro comédia, porque eu tenho muita presença de espírito, tenho respostas rápidos e faço piadas de tudo, sorrio de tudo, enfim, levo a vida de uma forma muito leve, e cada vez mais, porque desde que me tornei avó, com a relação com meus netos, mais do que nunca, esse mundo lúdico, infantil, da brincadeira, da risada e de resgatar aquela coisa da criança dentro da gente, porque avó é pra brincar, não leva nada a sério. E as pessoas normalmente me veem como uma pessoa séria, uma pessoa chique, elegante, mas eu sou assim também, prezo principalmente pela educação, pelo respeito, quando estou em um ambiente onde as pessoas estão mais séries, eu respeito, mas eu sou muito de bem com a vida e sempre procuro lembrar que a vida da gente é um suspiro, a gente ta aqui, daqui a pouco pode não estar, então a gente tem mais é que aproveitar, apesar de estarmos vivendo, inclusive, um momento muito difícil cada um na sua cidade, no seu estado, no nosso país, muito triste ver que os nossos representantes estão com pouca moral, pouca dignidade, honestidade, estão brincando, e eu tenho muita vergonha disso, e acho que o que eu puder, através da minha profissão, melhorar, o estado de espírito de quem assiste a gente no vídeo, eu tenho que fazer tudo, porque daí eu mais uma vez reforço a missão que a gente tem, que estamos aqui para levar um pouco de lucidez, um pouco de informação, de amor, um pouco de emoção, de riso, para quem assiste a gente.
Como tu vês hoje a questão da mulher no meio de trabalho aos 70 anos, e da mulher atriz dessa idade?
Eu já tive mais problema no sentido de jogar a culpa na mídia, na televisão, na dramaturgia, que as pessoas estavam escrevendo pouco para esta faixa etária. A mulher, hoje, nessa faixa etária, é uma velha jovem, porque tendo energia, cuidando da sua saúde, sem se importar só com a aparência, se você tem rugas ou não, você tem uma experiência, um amadurecimento da vida, e às vezes vê além, e você pode ajudar muito. Agora, as dificuldades da mulher não são de hoje, sempre foram, mesmo quando eu era mais jovem, sempre existiu essa dificuldade. Você se impor dentro da sociedade, dentro da sua profissão, dentro de um cargo que queira alcançar, só tendo um foco no que você quer e fazendo respeitar sem ser dura, sem ser agressiva, esperando o seu momento de falar, ouvindo muito. Porque hoje em dia é o que acontece muito, as pessoas falam muito e não ouvem, e acho que para você chegar a um diálogo, você primeiro precisa ouvir o outro, cada um tem o direito de pensar o que quer, de ser o que quer, ninguém tem nada a ver com isso. Agora, há muita coisa que eu acho que nós somos culpados mesmo, a sociedade é culpada, porque ela permite que vá a público a sua vida particular, coisas que não são de interesse do outro. A gente tem de discutir em termos dos problemas que são comuns a todos, não do meu problema ou do seu problema, esse cada um de nós tem de resolver. Quando você se expõe ou permite que te exponham a alguma coisa, você corre o risco de polêmica, de ser agredido, de ser apontado. E outra coisa, a gente deve sempre pensar que somos uma minoria, quem tem condução, quem tem casa, quem tem condições de se alimentar. Quem teve condições de estudar é uma minoria, a maioria no nosso país não tem saúde, não tem escola, então, como eu vou discutir, agredir ou impor uma coisa a uma pessoa assim? Eu sempre digo que nosso trabalho na televisão e no cinema, assim como chega na cobertura de uma família milionária, ele chega numa cidadezinha pequena, numa vila, a pessoas, às vezes, que não têm informações, que não têm estudo. Então o importante do nosso trabalho é a emoção, o amor, é o você tentar ajudar de alguma forma as pessoas que se identificam com seu trabalho e com aquilo que ela necessita.
Como foi o encontro com o Bruno Cabrerizo? Ele é uma estreia na TV brasileira, como tem sido a relação de vocês?
Primeiro eu pedi um contato pelo Face Time, porque ele estava em Portugal, eu queria sentir, olhar nos olhos, e ele foi muito carinhoso e atencioso comigo. É um rapaz muito educado e aqui, quando chegou, eu senti uma energia. Aliás, vocês vão sentir durante a novela, entre eu, ele e a Vitória Estrada, entre eu e a Lívian Aragão, a corrente que nos une e a em energia boa. Na verdade, com o elenco inteiro, estou citando os três porque é com quem eu mais convivo nesse início de novela, mas o elenco que está lá é um elenco de atores veteranos maravilhosos. O encontro com Tony Ramos, que é um exemplo como profissional, como ator, como pessoa pública, que representa nossa classe de uma forma digna, por quem eu tenho uma admiração e um carinho muito grandes. Regina Duarte, com a qual nunca trabalhei, mesmo a gente tendo começado na mesma época, não sei se vamos contracenar, mas estamos nesse mesmo elenco. E essa geração nova que o Jayme colocou na novela é muito talentosa, responsável, profissional, vai surpreender vocês. A gente observa os atores jovens para se renovar.
Eu estive no set e o Jayme me falou, em relação ao Tony Ramos, que se ele, em tanto tempo de carreira, ainda tem todo esse entusiasmo, nós temos de ter o triplo. É uma troca entre os mais experientes e os que estão começando, né?
Com certeza, aquilo que falei antes, a gente como ser humano, como profissional, como ator, cada um dentro de sua profissão, de sua atividade, se você não trocar, não abrir os braços... O que você não deve fazer é apontar, o que você deve fazer é abrir a mão, dar as mãos e ir em frente, é isso que importa.
E para finalizar, eu queria saber se tu continuaste dançando depois do Faustão? Como é hoje a dança?
(Risos) Olha, eu não tenho mais tanta resistência como eu tinha a 10, 12 anos atrás. Eu não sei se eu conseguiria em uma semana fazer uma coreografia e me apresentar, porque hoje, inclusive, a dança está um pouco mais profissional um pouco mais complicada. Na minha época era o dois e dois, mas é outro momento muito importante da minha vida, que foi ter participado da dança porque eu fiquei mais próxima do público, fiquei mais popular, digamos assim, como atriz e mandei uma mensagem de que qualquer um pode e deve ter a dança, porque se você não gosta de ginástica, de academia, de nada, e cada vez com mais díade, você precisa fazer um exercício, e a dança é muito prazerosa, ela te faz sentir mais saudável, com mais energia, sem contar que a música é muito importante também, você colocar seu corpo para se mexer, a cabeça, enfim. Claro que eu continuo dançando, nas minhas reuniões sociais, mas não dá para voltar na Dança dos Famosos, não (risos).