Até quem é local ainda suspira fundo ao deparar com os belos cenários que cortam as paisagens da Serra. Casas centenárias, estradas de chão que costeiam límpidos rios e até trilhos de trem por onde desfila uma barulhenta Maria Fumaça. São terras suspensas no tempo, exatamente como Tony Terranova (Johnny Massaro), protagonista d'O Filme da Minha Vida, que ganha pré-estreia em Bento Gonçalves hoje e chega aos cinemas de todo o Brasil amanhã. O personagem vive entorpecido pela beleza que o rodeia, ao mesmo tempo que é atormentado por ausências. Tony tem em si um estado constante de contemplação, de quem precisa tomar os trilhos da vida, mas decidiu ficar esperando na estação férrea. Um jovem adulto à margem da própria história, envolto por um cenário que representa muito bem essa sensação de estar sempre sonhando acordado.
Terceiro longa do diretor Selton Mello, a produção foi inteiramente filmada na Serra entre abril e maio de 2015. Na telona, cidades como Garibaldi, Bento, Monte Belo do Sul e Farroupilha ganharam ambientação dos anos 1960 – não que tenha sido necessário mudar muita coisa – para levar às telas a história do livro Um Pai de Cinema, do escritor chileno Antonio Skármeta. Nela, Tony é um jovem professor que recém-voltou para a cidade (fictícia) de Remanso para lecionar na escola local. O retorno dele, no entanto, coincide com a partida do pai francês, vivido por Vincent Cassel. Enquanto tenta lidar com a ausência da figura mais representativa em sua história, o personagem ainda se vê às voltas com Luna (Bruna Linzmeyer), seu primeiro amor, e com a melancolia da mãe (Ondina Clais). O amigo Paco (Selton) acaba sendo um escape de humor em meio ao contexto de fortes emoções.
Um dos responsáveis pela formação da estética cinematográfica brasileira, o diretor de fotografia Walter Carvalho é outra presença marcante do longa, apesar de não aparecer em cena. O mesmo olhar que formatou clássicos da filmografia nacional como Central do Brasil, Lavoura Arcaica (parceria emblemática com Selton), Amarelo Manga e Carandiru, agora cria uma fotografia que lembra antigos filmes noir – a fumaça de cigarro no contra-luz é usada sem restrição – e que remete à poesia dos cenários ao redor, fazendo cada take parecer um passeio romântico por uma Itália ou França sessentista e onde se fala português. Na escola, as crianças parecem tiradas do filme O Pequeno Nicolau, enquanto a dupla Tony e Luna carrega em si um pouco da personalidade pop/cult de uma Amelie Poulain. A trilha ajuda a transportar o espectador para esse ambiente de sonho, redescobrindo pérolas como Voilà, de Françoise Hardy, e Hier Encore, de Charles Aznavour.
Tony parece envolto numa bolha de delírio, e Selton Mello brinca com isso, colocando o personagem a flutuar em cena. O diretor, aliás, disse que o filme se chamaria Os Sonhadores, se Bernardo Bertolucci não tivesse sido mais rápido. O roteiro amarra essa sensação com a presença do cinema, talvez a mais antiga caixa de sonho do mundo, justamente onde a principal reviravolta da história acontece. Mas O Filme da Minha Vida não é filme dentro do filme, é sobre um coadjuvante que precisa aprender a ser protagonista sem perder a capacidade de encantar-se com o mundo.
PRESTE ATENÇÃO
1 - Na presença mágica de Rolando Boldrin como maquinista do trem, um presente aos olhos.
2 - Na hilária cena na qual o personagem Paco (Selton) contracena com uma dupla de porcos.
3 - Nas frases de efeito que rodeiam a história, proferidas por diferentes personagens. "Toma teus rumo, guri".
4 - Na participação do chileno Antonio Skármeta, autor do livro que deu origem ao filme, fazendo uma ponta como dono de bordel.
5 - Nos cenários arrebatadores da Serra. Dá para brincar de identificar lugares, além de descobrir outros por meio da ótica mágica do cinema.
PROGRAME-SE
Nesta quarta: sessão de pré-estreia d'O Filme da Minha Vida para convidados, no Movie Arte de Bento
Nesta quinta: o longa entra em cartaz na programação do GNC e Cinépolis, em Caxias