As ideias fervilham na mente criativa de Humberto Campana. Referência no Brasil e no mundo em design de vanguarda ao lado do irmão, Fernando, Humberto esteve em Caxias do Sul no fim de fevereiro para conhecer as instalações da Saccaro, com quem desenvolve parceria.
De itens de mobiliário a sapatos, passando por joias, luminárias, saca-rolhas e projetos de interiores, tudo fica extraordinário com a assinatura dos Irmãos Campana. A diversidade de peças atreladas ao sobrenome só demonstra o quão versátil é o olhar da dupla. Reis das parcerias, os Campanas captam ideias e as transformam em grandes teias que entrelaçam intenções. Neste papo com o Pioneiro, Humberto Campana fala sobre inspirações, funcionalidade e criação. Confira:
Pioneiro: Primeiramente, gostaria de saber a respeito dessa parceria com a Saccaro...
Humberto Campana: A Casa Vogue me convidou para fazer um projeto especial para uma peça única a ser apresentada na feira de arte em São Paulo e ela seria leiloada e (a verba) revertida para uma instituição, então vim aqui conhecer (a fábrica da Saccaro, que vai desenvolver o projeto). Fui conhecer a fábrica, achei superbenfeito, a qualidade dos móveis...
O que te inspira?
Viajar me inspira muito. Eu adoro viajar. Viajo quase toda semana. Vou para fora do Brasil, aqui dentro do Brasil. Sair da zona de conforto é uma coisa importante para mim.
Em uma peça ou coleção, quanto é inspiração e quanto é pesquisa, trabalho, criação?
É engraçado. Às vezes um trabalho sai assim, uma explosão de ideias, como um vômito, e vai numa velocidade grande. Às vezes para você desenvolver uma coisa demora e é mais elaborado, a transpiração... Porque às vezes você tem uma ideia e fazer aquilo acontecer é difícil. Para fazer coisas que nunca fiz tem muita transpiração também.
Como o atual momento do Brasil e do mundo pode influenciar no design?
Trabalho mais para ser um antídoto contra tudo isso que vejo. O mundo está conturbado. Não é só aqui. Lógico que estou consciente de tudo. Até participo politicamente de coisas que me chocam, mas procuro criar, fazer o que sei fazer melhor, que é criar, e tentar melhorar a vida das pessoas. A gente criou um instituto para preservar a nossa memória e a gente atua também em uma comunidade carente de São Paulo com crianças e as mães delas. Acho que cada um tem que fazer a sua parte, né?
O designer seria um inconformado com o mundo tentando criar seu universo próprio?
O designer hoje tem um papel importante na sociedade, de formador de opinião. O design hoje pode ser uma ferramenta política quando você atua em comunidades carentes, se você traz a comunidade carente na produção, para o fazer. Isso é legal. E também o respeito ao meio ambiente, o resgate de tradições que estão desaparecendo, a manualidade, a ecologia, o social, tudo isso.
Design e funcionalidade: qual o peso de cada um desses elementos?
A funcionalidade é superimportante, mas a noção de design hoje ampliou-se mais. Não é aquela coisa, só a funcionalidade do Bauhaus do século passado. Hoje é mais ampla essa ideia do que é design. Você pode enviar mensagens através do design. Você pode fazer pontes entre as disciplinas, entre arte e design, fazer um hibridismo. A funcionalidade pode ser mais forte num projeto e ser menos em outros. Importante, no meu caso, é pesquisar, investigar. Eu não gosto de me render à funcionalidade, porque tanta coisa já foi feita. É o grande desafio você fazer uma peça com criatividade e funcionalidade. É isso que a gente busca, mas às vezes não consegue. A grande preocupação é me renovar criativamente. Sou egoísta, faço as coisas pra mim. Depois os outros. Se as pessoas gostam, OK, mas é pra mim sempre.
Como tornar o design acessível? Normalmente a associação que se faz é design-exclusividade-preço alto...
Depende de que público você quer atingir. A gente tem um estúdio em São Paulo em que fazemos peças em edições limitadas. São caras mesmo. São peças para galeria. Também tem uma produção mais acessível. A gente trabalha nessas duas possibilidades. A coisa da edição limitada é uma escola para você poder dialogar com a indústria em produção seriada. Na produção do ateliê você vai aprendendo todo o mecanismo e pode desenvolver uma coisa com preço mais democrático. Um exemplo são nossos sapatos para a Melissa, para a Grendene. A gente democratizou o nosso nome. É um sucesso há mais de 10 anos.
Talento e bom gosto são características natas ou adquiridas?
Acho que se adquire. Eu era advogado. Fui aprendendo com curiosidade em fazer. Eu vi que aqui na fábrica (da Saccaro) tem o fazer manual. Eu deixei a faculdade de Direito, me formei e comecei a trabalhar com as mãos porque queria ser escultor, mas não tinha noção nenhuma. Nunca tinha estudado. Fui aprendendo com paixão. Então acho que você adquire (talento e bom gosto). Você já nasce poeta, mas tem que desenvolver, tem que buscar a poesia, o poeta dentro de você.
Vocês já desenvolveram móveis, luminárias, joias, sapatos, saca-rolhas... Quando estão criando, pensam na unidade de todos esses produtos como "a cara dos Irmãos Campana" ou cada trabalho é um trabalho independente?
Cada trabalho é um trabalho independente, dependendo do convite, da proposta. Cada cliente é um cliente, um universo novo. Se você tem feeling, se tem a química... Me inspiram muito pessoas inteligentes, principalmente pessoas que trabalham na área de mobiliário. Conversando, elas me desafiam e a ideia surge. Eu sou muito intuitivo. A ideia nasce daquele contato. De um primeiro diálogo eu já sei o que propor. São 35 anos. A gente vai desenvolvendo uma forma de agir.
Qual o seu trabalho preferido?
Gosto da cadeira Favela. O café do Museu d’Orsay (em Paris) é um projeto bonito. As lojas da Camper e a da Aesop, em São Paulo. A gente faz projetos de arquitetura de interiores, são projetos que gosto muito. Fizemos os costumes (figurinos) para um balé em Nova York no final do ano passado que foi incrível. Oskar Schlemmer é um artista que criou os figurinos para o balé e a proposta era dar um novo olhar para esse balé icônico do Bauhaus. Tem coisas que eu tenho muito carinho.
Em que projetos tu estás trabalhando no momento?
Tem os móveis que a gente vai lançar no salão do móvel em Milão, a gente está fazendo uma exposição em abril e preparando outra para o segundo semestre.
Preferências
:: Uma cor: azul
:: Uma forma: orgânica
::Um matéria-prima: bambu
:: Um lugar: Amazônia
:: Uma influência: Lina Bo Bardi (Achilina Bo 1914-1992, arquiteta modernista ítalo-brasileira conhecida por ter projetado o Museu de Arte de São Paulo, o Masp)
:: Uma tendência sobre a qual ainda vamos ouvir falar muito: cada vez mais a tecnologia está no auxílio do design. Hoje você pode tingir tecidos com bactérias, criar matérias com bactérias. O futuro está aí, na biotecnologia. Tudo politicamente correto