No começo dos anos 1970, Erasmo Carlos escreveu Sentado à Beira do Caminho com toques existencialistas. Um manifesto que atravessou gerações e se tornou seu hit. Nesta entrevista concedida por telefone, antes de viajar para Garibaldi, onde fez show quinta-feira na programação do Natal Borbulhante, ele insistiu que precisamos lembrar que o amor existe. Aos 75 anos, seu 1m93cm lhe rendeu o apelido de Gigante Gentil, nome do disco lançado há três anos e pelo qual ganhou o Grammy Latino. Ele adorou e acha que é isso mesmo. Que a velha fama de mau é rima posta. Agora, insiste, o mundo precisa de muita gentileza e amor.
Por que Gigante Gentil?
Pois é, gostei desse apelido. E as pessoas acham que a gentileza é a cara da minha vida. É como eu digo na música que, embora tenha essa cara de bandido, essa tal fama de mau, sou um cara muito gentil. Sou um cara muito amoroso, muito romântico. Eu sou uma pedra de isopor. Precisamos de gentileza?Eu fico horrorizado. Tem aquela música linda, All You Need is Love... O mundo precisa de amor cada vez mais. É o que rege tudo. E eu vejo o amor perdendo terreno para forças políticas, forças religiosas. Sofro muito com isso. Eu não sou completamente feliz, ainda mais nestes dias de Natal, que são dias de reflexão. Tem muitas coisas ruins acontecendo no meu país e no mundo. Isso me incomoda. Há tanto descrédito, desamor, desesperança, que não posso admitir isso. Com amor, com bom senso, com dignidade, diálogo e pensamento elevado a gente resolve tudo. Eu sou do tempo que acreditava nisso. Como digo nos shows, a utopia é impossível, mas é sonhável. Vou morrer pensando nisso. Posso morrer tranquilo com a honestidade da minha passagem pela terra, mas, no fundo, serei infeliz pela situação geral das injustiças que vejo nos jornais, na televisão e na vida.
Você transita bem entre veteranos e a nova geração de músicos?
Eu vejo com bom olhos essa nova geração. Eles me acompanham, acompanham a minha vida. Todo músico é ligado no outro, respeita muito. Os artistas em geral se respeitam muito independentemente de gênero, de idade ou de outras coisas. Quando eu conheço esses caras (das novas gerações) eles já vêm com elogios, têm opiniões formadas sobre mim, conhecem as músicas, afirmam que aprenderam alguma coisa comigo. Eles me reverenciam principalmente pela força das minhas músicas. E isso é muito simples, pois falo de amor. E o amor é uma coisa para sempre. Tem gente que já amou, tem gente que está amando e tem gente que vai amar ainda.
E qual é a sensação de conquistar o respeito dessa nova geração de artistas?
O prazer disso é que eu começo a trabalhar com o cara. Eu vou querer aprender o que ele tem de novo para me ensinar, já que eu ensinei a ele alguma coisa. Pra mim é uma experiência muito bonita e muito gratificante saber que eu estou vivo, forte e antenado com o mundo e fazendo coisas agora. Por exemplo, o Grammy Latino eu não ganhei por causa do trabalho que eu fiz, pelo volume da minha obra passada, mas por aquilo que estou fazendo agora, junto com os meninos que estão fazendo agora também. Isso pra mim é muito alentador e um incentivo para eu seguir na estrada com a mesma atitude e disposição de sempre.
Quais são os novos artistas em quem você presta atenção e recomenda?
Ah, rapaz, hoje em dia isso é impossível. Só de cantora, é uma por dia que aparece. Em cada esquina tem umas dez bandas de rock. Na Bahia é um festival de banda de axé. É muito difícil dizer qual é o melhor, pois você ouve uns quinhentos por dia (risos). Todo mundo grava disco agora na sua própria casa. Eu começo a gostar das pessoas quando elas têm alguns anos de estrada. Por exemplo, sobre Maria Gadú eu digo “essa pessoa é muito grande, é muito boa”. Ela é excepcional, veio para ficar mesmo, pois apresentou um trabalho que possibilitou esta minha análise. No geral, todo mundo é bom, grava direito, afinado, mas às vezes acho que falta um pouco de sentimento e vivência. Vejo meninas de 17, 18 anos, cantando músicas de uma vivência amorosa que elas não tiveram ainda. Não tem como ser sincero isso. Gosto muito da Vanguart, d’O Terno, da Suricato. De cantoras também tem a Céu, a Tulipa Ruiz. E também gosto do Marcelo Jeneci.
Qual a principal contribuição de sua geração à mpb?
Eu vou sempre insistir que é a força das músicas que falam de amor. As pessoas se identificaram e continuam se identificando. E a gente segue distribuindo amor, que é o que vale.
Quais são as suas músicas mais lembradas?
Sentado à Beira do Caminho é uma música que eu não posso deixar de cantar em qualquer show que eu faço. Tem um monte de gente que gosta dessa música. Ela foi importante para várias gerações que namoraram, noivaram, tiveram filhos ouvindo essa música. E tem outras também, como Gatinha Manhosa, das antigas (risos), além das músicas ritmadas, que lembram dança, lembram alegria, lembram da liberdade mesmo na época da opressão. Outra marcante é Mulher, que é o hino da mulherada. Mulher e As Baleias anteciparam discussões fundamentais para a sociedade... Esses assuntos são sempre importantes de serem falados. Se bem que uma vez eu ouvi uma opinião de um executivo de uma gravadora de que nós insistíamos muito nesse tema da ecologia. Falei que era importante sempre falar disso, de que o mundo está a perigo, e ele respondeu “que nada, na hora de vender esses discos, a baleias não vão comprar”.
Quais são as melhores lembranças da Jovem Guarda?
São várias, bicho! A Jovem Guarda foi um a grande e linda festa. Todos os programas que apresentávamos eram uma festa. Era uma coisa maravilhosa, familiar. Todos os momentos foram muito bonitos. E são inesquecíveis para mim.
Lulu Santos fala que existe o “erasmês”. O que é isso?
Quando eu faço uma música, faço num inglês que ninguém entende, só eu mesmo. Quando eu mostro uma música para os amigos próximos eles chamam de “erasmês”, que parece não ter sentido nenhum. São coisas que eu invento, que serve só para dar sentido à música que eu estou fazendo.
Você está escrevendo um livro de poesias. Os temas das poesias são como o das suas músicas, nas quais você fala de dores e perdas como a morte da mulher, Nara (morta em 1995), e do filho, Alexandre (morto num acidente, em 2014)...
Eu acho que não preciso de analista, por que eu extravaso pelas minhas músicas. Meus sentimentos, meus traumas e meus delírios eu extravaso todos através das minhas músicas. E agora eu encontrei outra forma mais maravilhosa ainda, que é a poesia. Nela você não fica preso a uma métrica tão rigorosa quanto a da música. Estou me sentindo muito mais livre. Eu protesto muito mais, reclamo mais e falo muito mais de mim, dos meus sentimentos.
Como você vê o Brasil hoje?
Fico triste com as coisas todas que estão acontecendo, mas não fico desesperançoso. Não me abato com nada. Sou um cara positivo. Acho que sempre vai dar certo. Tenho amor pelas pessoas e apesar de tudo e sobretudo. Minha vida é assim, é uma vida otimista. Não admito derrotas. Elas até existem, mas a gente aproveita para tirar um sentido bom delas. Elas são importantes para a gente se reerguer, para a gente aprender alguma coisa. Eu espero e acredito que o Brasil já já encontre o seu caminho. Eu espero que a uma nova geração de políticos apareça e que não tenha os vícios das gerações antigas. Precisamos de políticos que pensem realmente no Brasil e não em si próprio. E que o povo vote melhor para a gente ter um Brasil de paz, de trabalho, de honestidade, alegria e povo feliz e com liberdade. Você falou muito de amor nessa entrevista.
Está de novo apaixonado?
Tô num momento bom. Estou há quatro meses praticamente casado. É uma pessoa que conheci há seis anos, quando namoramos. Ela se chama Fernanda. Estamos felizes.
Roberto Carlos segue como o seu grande amigo de fé, irmão camarada?
Continua sendo. E com muito respeito.