Errante, o mais recente longa-metragem de Gustavo Spolidoro, é "um filme de encontros", como indica o complemento ao título. É também "um filme de um homem só", que o cineasta rodou sozinho durante o Carnaval de 2011, guiado pelo acaso – e por um sonho, como explica na sequência de abertura, na qual
o espectador o vê acordar, escovar os dentes e relatar:
– O plano era levantar e filmar o que sonhei. A viagem é que acordei às 7h sem ter sonhado nada. Mas aí me veio a imagem da Lancheria do Parque à cabeça.
A partir do tradicional ponto de encontro do bairro Bom Fim, em Porto Alegre,
a câmera segue diversos personagens com os quais o diretor esbarra nas ruas.
O longa surgiu de um projeto de mestrado inspirado em Os catadores e eu (2000), de Agnès Varda, entre outros títulos realizados por artistas solitários. Spolidoro escreveu e defendeu a dissertação e depois foi rodar o filme, que a partir desta quinta-feira pode ser visto pelo público na programação diária da Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro – a sessão das 19h desta quinta é gratuita e será seguida de debate com o diretor, que também ministrará o curso Cinema de uma Pessoa Só, a partir de terça, na Cinemateca Capitólio (inscrições devem ser feitas até esta sexta-feira pelo e-mail cinema1pessoa@gmail.com).
– A sequência de fatos da narrativa acaba representando a minha percepção
da vida, que se constitui de forma fragmentada e associativa – assinala o cineasta. – Ou seja, se eu não tivesse que parar para dormir, provavelmente estaria até hoje filmando, já que uma coisa sempre se liga à outra.
Há uma linha evolutiva, por assim dizer, na pesquisa de linguagem de Spolidoro, que antes assinara o drama em plano-sequência Ainda orangotangos (2007), depois deu um segundo passo em direção ao realismo com o documentário Morro do céu (2009) até desembocar neste terceiro longa, construído a partir da busca pela espontaneidade no encontro entre documentarista e documentado.
Ele realmente fez tudo sozinho, no set e depois das filmagens – até a distribuição, o que ajuda a explicar o fato de Errante estar estreando em uma única sala. Podia ser mais. Documentários que dependem da empatia de seus personagens para conquistar o espectador costumam ser irregulares, o que o diretor dribla com uma dinâmica estimulante – dispõe-se a viajar ao Interior para acompanhar um casal, além de despender pouco tempo com as histórias menos interessantes com as quais naturalmente cruza.
Já a explicação para que, mesmo sem produção e investigações prévias,
tenha encontrado bons personagens Spolidoro encontra em uma frase que
faz referência ao pensamento de Agnès Varda e também do veterano documentarista Frederick Wiseman:
– O acaso foi o meu melhor assistente.
ERRANTE – UM FILME DE ENCONTROS
De Gustavo Spolidoro.
Documentário, Brasil, 2014, 70 minutos.
Em cartaz na Sala P.F. Gastal da Usina do Gasômetro.
Sessão comentada com o diretor, nesta quinta, às 19h (entrada gratuita).
Cotação: 3 estrelas (de 5).
OUTROS DOIS LONGAS GAÚCHOS EM CARTAZ
Além de Errante, outros dois filmes produzidos no Rio Grande do Sul entram em cartaz nos cinemas nas próximas duas semanas. Confira:
Nós duas descendo a escada
O filme de Fabiano de Souza (do longa A última estrada da praia e de curtas como Cinco naipes) narra nove meses da relação de duas mulheres. A trama lembra a de Azul é a cor mais quente (2013): trata-se do envolvimento de uma jovem insegura (Miriã Possani) com uma mulher um tantinho mais experiente (Carina Dias). Estreia em Porto Alegre, Rio e São Paulo no dia 8 de setembro.
Os senhores da guerra
Baseado na obra de José Antônio Severo, este épico do diretor e escritor Tabajara Ruas (de Neto perde a sua alma) acompanha a vida de dois irmãos,
um chimango e outro maragato, divididos na chamada Revolução de 1923. Inicialmente composto por duas partes, o filme estrelado por Rafael Cardoso
e André Arteche ganhou esta versão condensada única que já foi exibida em Porto Alegre. No dia 15, estreará em 14 capitais.