Obra que desvela o pensamento de Adolf Hitler, líder do nazismo, o livro Mein Kampf (Minha Luta) – em domínio público desde o início do ano e cuja reedição vem suscitando polêmica mundo afora, inclusive no Brasil – será pauta dos debates desta segunda-feira no Órbita Literária, que ocorre a partir das 20h na Da Arco da Velha Livraria e Café (Rua Dr. Montaury, 1.570), em Caxias do Sul, com entrada franca.
Com o título Um Olhar para Si – Breve Análise de Contexto da Obra Mein Kampf de Adolf Hitler, o encontro terá como painelista convidado o professor Marcelo Caon, historiador, pesquisador e doutor em História. A ideia é traçar um panorama do pensamento à época da II Guerra Mundial.
Caon conversou com o Pioneiro sobre o tema e sobre a polêmica em torno da obra, que chegou a ter uma edição proibida pela Justiça. A proibição, ele acredita, não é o caminho para evitar radicalismos, muito pelo contrário. Confira:
Pioneiro: Qual a importância do livro "Mein Kampf" para o estudo e a compreensão da história da II Guerra?
Marcelo Caon: O livro é uma peça dentro de um quadro complexo e cheio de figuras criado e desenvolvido em quatro décadas da história europeia com repercussões em outras partes do mundo. Nessa "pintura" o livro é um traço, sombrio, que demonstrou de início duas peculiaridades: o reforço à ideologia do partido nazista, já apresentada à sociedade no programa partidário de 1920, não sendo assim, nada original. E, em outra abordagem, é o resultado das escolhas de Hitler ao misturar as ideias nazistas com seu narcisismo, distorcendo muito da realidade com objetivos bem específicos. Assim, o livro é uma representação do que pensava um dos principais líderes daquele momento, como registro sobre sua visão de mundo, bem como de sua confusa análise ou de episódios fabricados propositalmente, para dizer o mínimo. Mas, sobretudo, é um registro que deve ser percebido como uma fonte de análise da mentalidade do homem que acabou ganhando a simpatia de milhares de pessoas. Desta maneira, ele não é o único, mas um vestígio para investigar e entender a mentalidade nazista às vésperas da II Guerra.
Sobre a polêmica quanto à reedição do livro no Brasil, qual a sua posição?
Não vejo problema algum em reeditar o livro. Eu mesmo tenho interesse em adquiri-lo, pois a edição que possuo é muito simplória e a nova conterá páginas de comentários filosóficos e históricos, não para positivar a obra, mas para entender de onde surgiram seus fundamentos. Aliás, sou contra qualquer proibição desse tipo, afinal, não se combate o totalitarismo utilizando a mesma tática, no caso, a interdição. Ao contrário, deve-se analisar o pensamento nazista, estudá-lo para afiançar sua problemática, já que o resultado foi catastrófico. Não debater é uma característica dos regimes totalitários; logo, se empobrecemos o diálogo, negamos a condição que nos é inerente, a humana.
Há realmente algum perigo de, hoje, o livro despertar o ódio e a intolerância?
Não acredito. O ódio e a intolerância têm origem em outras fontes, dentre as quais podemos incluir a ausência de debate sócio-político e a pobreza de diálogo. Significa que se alguém usar o livro para algum ato de intolerância, a culpa não é da escrita em si, mas da pessoa que, previamente, já era surda à perspectiva humana utilizando-se da obra (por pior que ela seja) para validar e reforçar seu ódio e falta de conhecimento. Veja como muitas vezes os livros religiosos monoteístas foram usados para justificar inúmeras barbáries. No caso de Mein Kampf, sabe-se que não se trata de nenhum tratado sobre o humanismo, mas de um relato que fornece subsídios para uma análise sobre a carência de imaginação social, falta de compreensão democrática, carência de perspectiva humanista em um determinado contexto histórico, além de distorções de fatos, característica panfletária e desconhecimento sobre a história. Assim, os "leitores de um livro só", que não investigam mais o pensamento sócio-coletivo através de outras leituras e que desenvolvem pouco diálogo, afirmarão que se trata de um livro que torna alguém fascista, quando na realidade apenas reforçará um caráter previamente formado. Contudo, quanto mais acessamos o conhecimento humano, mais temos a dimensão da validade das ideias escritas e de sua aplicabilidade.
Debate
Livro "Mein Kampf", de Hitler, é tema do Órbita Literária, em Caxias do Sul
Para historiador, é preciso estudar as ideologias para entender o que levou à II Guerra Mundial
Maristela Scheuer Deves
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