Não tem suor, respiração ofegante nem gasto calórico significativo. Mas a ginástica para o cérebro é tão ou mais intensa do que aquela praticada numa academia. O treinamento consiste em tirar o cérebro da zona de conforto, oferecendo a ele novidade, variedade e desafio crescente - como a realização de complexas operações matemáticas ou a escolha simples de um novo caminho para voltar para casa.
- Pensando no cérebro como uma cidade, com ruas iluminadas por postes de luz, podemos dizer que, com o passar dos anos, essas luzes vão se apagando aos poucos. Queremos ajudar a deixar os postes sempre acesos - explica Josi Marcolin, diretora da Supera, em Caxias do Sul, escola que promove esse tipo de treinamento.
Nesta escola, o método consiste em uma aula semanal de duas horas, em que as competências lógico-matemáticas e interpessoais são as mais exploradas entre as habilidades cognitivas. Ele é baseado na Teoria das Múltiplas Inteligências, do psicólogo norte-americano Howard Gardner.
- Essas duas são fundamentais para o sucesso, que não tem a ver com o sucesso profissional. As pessoas aprendem a resolver problemas e a se relacionar com os outros - afirma Josi.
O ábaco japonês - ou soroban - é o protagonista no processo de aprendizagem. O instrumento conta com 13 fileiras verticais com cinco contas (ou pedrinhas), que representam unidades, dezenas, centenas e assim por diante, deve ser manuseado apenas com o polegar e indicador da mão direita e é capaz de ajudar a resolver cálculos por meio do movimento das peças.
Josi destaca que os principais ganhos, ao longo do tempo, aparecem na concentração e na velocidade de raciocínio.
- É o contrário do que observamos hoje em dia, em que as pessoas treinam a desconcentração, fazem várias atividades ao mesmo tempo e não prestam atenção em nenhuma delas - observa.
Segundo ela, qualquer um está apto a aprender - a recomendação é que crianças sejam alfabetizadas antes de se matricular. Os resultados são mais perceptíveis, no entanto, naqueles que vão por vontade própria e se empenham mais, como os alunos da terceira idade.
O neurocientista Lucas Fürstenau de Oliveira explica que o sistema nervoso é capaz de aprender em qualquer idade.
- Mesmo o indivíduo com muitas décadas de vida ainda pode adquirir novos conhecimentos. Quando se é mais novo, o processo pode ser um pouco mais fácil, mas a idade avançada não é impedimento - afirma Oliveira.
Ressalta, no entanto, que as evidências sobre ganhos provocados por exercícios cerebrais são limitados. Segundo ele, atividades com efeitos benéficos demonstrados sobre o sistema nervoso incluem exercícios físicos, atividades ao ar livre e convívio social. Outras potencialmente benéficas são jogos que envolvam planejamento e memória (xadrez, por exemplo), leitura (importante para manutenção do vocabulário do indivíduo) e palavras cruzadas (idem acima).
- Muitos dos exercícios explicitamente propostos como treinamento para o cérebro ainda carecem de evidências confiáveis. É comum que o indivíduo apresente melhora no exercício, mas que essa melhora não seja transferida para as atividades do dia a dia (que é o que importa) - destaca.
Para Josi, a partir de seis meses os alunos já percebem uma mudança no comportamento:
- A pessoa melhora em relação ao que ela é, cada um tem seu ritmo.
As habilidades cognitivas potencializadas com o treinamento do cérebro têm efeitos principais demonstrados na linguagem e na expressão.
- A memória também parece se beneficiar um tanto, mas os resultados mais marcantes com memória vêm dos exercícios físicos e atividades ao ar livre - completa o neurocientista.
Já a diretora da escola defende que o aprendizado dos alunos têm impacto direto na rotina deles:
- A pessoa fica mais eficiente em tudo o que vai fazer e, assim, fica mais segura, aumenta a autoestima e ganha em qualidade de vida.
O professor virou aluno
Faz pouco mais de um ano que o professor aposentado Nelso Malacarne, 83 anos, voltou à sala de aula. Só que, desta vez, ele é aluno. Semanalmente, ele se reúne com quase uma dezena de colegas para treinar o cérebro.
Conta que decidiu frequentar o curso ao perceber uma queda na criatividade e na memória. Isso o incomodou, especialmente, porque sempre teve uma "memória invejável". Além disso, um dos principais ensinamentos enquanto docente era o de fazer os estudantes raciocinarem ao invés de decorar a matéria.
- Fui buscar recursos para manter a atividade cerebral - relata ele, que cuida com disciplina do corpo e costuma fazer exames preventivos com frequência.
Nesses meses de curso percebeu que a memória está crescendo e mostra com orgulho as lições terminadas de forma adiantada:
- Percebi que meu cérebro e a minha memória estavam preguiçosos, então decidi dar uma sacudida neles!
Ele aprendeu a realizar operações matemáticas com o ábaco japonês - já consegue fazer multiplicações _, uma novidade até para ele, que lecionou Matemática, Química, Física e Biologia. Além disso, consegue montar figuras com o quebra-cabeça chinês formado por sete peças chamado tangram e realiza com prazer uma série de exercícios lúdicos que exigem concentração e persistência. Antes de dormir, pratica sudoku, um quebra-cabeça baseado na colocação lógica de números, e tem o hábito de ler - em uma das graduações, em Letras, ficou apto a lecionar latim, grego, francês e italiano.
- A sala de aula me enche de vida e de prazer. Tenho paixão por ensinar e por aprender - diz.
Qualidade de vida
Academia para o cérebro ajuda a manter a saúde do órgão
Praticantes garantem que exercícios melhoram a concentração e a memória
Tríssia Ordovás Sartori
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