O cinema ainda tem problemas com a nudez. Ok, pode se tratar simplesmente de uma escolha de estilo da diretora Sam Taylor-Johnson, mas lidemos com fatos: mesmo protagonizando cenas de pegação durante praticamente metade do filme Cinquenta Tons de Cinza, os órgãos sexuais dos atores Jamie Dornan e Dakota Johnson - intérpretes do casal da ficção mais badalado dos últimos tempos - nunca ficam à mostra.
Difícil acreditar que as fãs do livro que inspirou o longa, e vendeu nada menos que 100 milhões cópias no mundo, iriam se assustar com nus frontais. Afinal, alô, trata-se de um romance que usa o universo sadomasoquista como pano de fundo. Dá impressão que a história safadinha que tanto fisgou leitores pedia um pouco mais de ousadia de sua versão cinematográfica. A diretora, no entanto, optou pelo que ela mesmo decidiu chamar de "sofisticação" da história, o que pode decepcionar alguns, mas ainda assim deve agradar a maioria.
Mesmo assim, é claro que não se trata de um filme para levar a vovó junto na sessão. Obviamente tem muito sexo no filme e algumas cenas, como aquela em que Grey enlouquece Anastasia com um gelo na boca, conseguiram realmente dosar o grau de erotismo e beleza na telona. Ah, a tão falada sala de jogos do ricaço (onde ele guarda seus brinquedinhos sexuais) também ficou bonita esteticamente, com seus tons de vermelho e preto. Talvez aqui seja um bom momento para lembrar à garotada de que a classificação indicativa do filme ficou em 16 anos.
Se os corpos de Christian Grey e Anastasia Steele ficaram um pouco mais resguardados na telona, por outro lado a personificação da dupla de protagonistas é quase espantosa. O bilionário sedutor e a estudante sem sal certamente povoaram a imaginação de muita gente, e o risco assumido pela produção do longa era grande. Depois de muito suspense e sondagens, os nomes anunciados acabaram por não dizer muita coisa aos fãs da história. Dornan e Dakota não eram exatamente conhecidos do grande público e isso deve ajudar na aproximação entre o espectador e os personagens.
Dakota deu à sua Ana uma voz baixa, um olhar quase sempre de cão acuado e aquele jeito atrapalhado do qual os leitores já eram íntimos. Bela, porém, nada espetacular, a atriz carrega exatamente o perfil esperado para a personagem, causando identificação da ala feminina. A versão cinematográfica da estudante por vezes parece até mais legal, e aí entra a "culpa" do roteiro de Kelly Marcel, que concedeu alguma dinâmica a certos diálogos que pareciam meio sem graça no livro. Um exemplo é a versão bêbada de Anastasia, que liga para Grey com uma postura bem mais engraçada, o chamando de "Mauricinho" e debochando de sua cara inclusive com uma imitação. Ficou legal.
Grey é, certamente, um capítulo à parte. Jamie Dornan é feliz na composição amante ardente/garotinho perdido. E, sim garotas, ele causa certa perda de fôlego. O ator parece bem confortável na pele de Grey, porém, a diretora não explora muitos atributos do bonitão para além do óbvio tanquinho sarado. A história até teria um potencial dramático, mas o foco fica mais preso na por vezes cansativa sinopse "bilionário sádico fica confuso ao se apaixonar por garotinha pura que fica confusa ao se apaixonar por bilionário sádico".
Nada que se aproxime da profundidade que a temática sexual ganha, por exemplo, no longa Shame - em que, coincidência ou não, Michael Fassbender chocou uma galera ao aparecer totalmente nu. O filme parece sob medida para agradar a um certo perfil feminino e, pensando em mercado, a combinação de sacanagem com trilha da Beyoncé tem grande potencial de sucesso.
A última cena é um pouquinho diferente do que o livro propõe, mas abre a deixa para a sequência. Resta saber se no segundo filme Grey e Ana se tornarão mais intensos.