Hoje reconhecido como um dos principais nomes da literatura regionalista gaúcha, João Simões Lopes Neto morreu em 1916, mas, apesar de ter tido livros publicados em vida, só se tornou realmente conhecido muito tempo depois, nos anos 1950, com a republicação de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, considerados suas obras maiores. Na próxima semana, duas outras obras do escritor pelotense chegarão às mãos dos leitores: Terra Gaúcha - Histórias de Infância e Artinha da Leitura, que saem pela editora caxiense Belas-Letras.
Escritos respectivamente a partir de 1904 e em 1907, os manuscritos desses livros ficaram mais de um século no esquecimento. Encontrados por obra do acaso, tiveram sua autenticidade comprovada, passaram por uma edição cuidadosa do professor e escritor Luís Augusto Fischer e agora, finalmente, poderão ser conhecidos pelos fãs do escritor.
Artinha da Leitura é uma espécie de cartilha idealizada por Simões Lopes Neto, numa época em que esse tipo de material era escasso e o número de pessoas alfabetizadas, baixo. O autor chegou a propor sua adoção em escolas, mas o material, avançado para a época, não foi aprovado.
Já Terra Gaúcha - Histórias da Infância, escrito para ser um "livro de leitura", é protagonizado e narrado por um menino, Maio, que conta suas aventuras na estância da família e na escola. Ali, aponta Fischer, estão as sementes do que viria a ser a literatura de Simões Lopes Neto.
Confira um trecho de Terra Gaúcha:
"Quando a siá Mariana fica aqui na estância, o que é frequente, porque nós
pedimos, pedimos, até ela dizer que sim, então temos histórias, lindas histórias
que ela nos conta.
Na sala grande fazemos roda; a siá Mariana numa banquinha baixa, a mesma
em que ela costuma sentar-se para fazer as suas rendas de bilros; a maninha,
a Ará, debruçada em seus joelhos; nós, eu e outras crianças da estância, em volta,
sentados no chão, todos muito desejosos de ouvir, muito atentos para não perder
palavra. Às vezes é uma algazarra enorme, porque nós rimos e damos apartes em
algumas das histórias; outras vezes ficamos tristes e até indignados com os horrores
que sofrem os personagens. Eu não gosto de histórias de fadas nem de princesas
encantadas, porque já sei que tudo é peta e são entes que nunca existiram e
só servem para encher de caraminholas a cabeça da gente; mas gosto e muito das
histórias e contos da minha terra; acho que uns têm graça, outros mostram esperteza
e todos têm uma explicação que se entende."
Literatura regionalista
Inéditos de Simões Lopes Neto ganham edição e são tema do Almanaque
Confira trecho 'Terra Gaúcha - Histórias de Infância', um dos dois livros do escritor que ficaram esquecidos por mais de 100 anos
Maristela Scheuer Deves
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