Pedro Henrique. Assim me chamaria se fosse menino. Surgiu na gestação de minha mãe, que já tinha escolhido Tríssia muitos anos antes, ainda na adolescência, para nomear a primeira menina – se é que ela viria. E, sim, foram duas. Junto com as meninas, nasceu a mãe, criatura das mais generosas com as quais o universo me presenteou.
Pode parecer exagero, lógico, mas é uma afirmação bem racional. Tive lições de igualdade social, feminismo, autoestima e respeito dentro de casa, no cotidiano. O olhar próximo, carinhoso e crítico ajudou a moldar o projeto de mulher que eu viria a me tornar – uma obra aberta.Foi minha mãe quem me mostrou que crescer num ambiente repleto de amor, confiança e 'nãos' faria toda a diferença nos anos seguintes. A vida é dura, a gente ouve mais negativas do que afirmações e é bom ter ciência disso desde cedo. Ela me deu uma irmã e me mostrou que a vida é melhor ao ser compartilhada, que dividir angústias e momentos felizes com alguém torna tudo mais leve, divertido e inesquecível. Somos duas, então não há espaço para ciúme, possessividade ou competição – nem entre meninas, nem entre ninguém.
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Estimulou meus talentos para arte e para a escrita, sempre deixou que sujasse as mãos, a mesa, as roupas, a casa, escrevesse em guardanapos, folhas de agenda, rascunhos. Guardou meus bilhetes e minhas redações e sempre fez questão em dizer que se expressar (por desenhos, palavras escritas ou faladas) era importante. Me ensinou a arrumar a bagunça, a persistir e a recomeçar. Fez curativos quando ralava os joelhos na grama ou caía no paralelepípedo, no tempo que dava para brincar na rua. Faz curativos hoje, quando não há remédio que faça a dor passar logo.
Mostrou que o amor cura, merthiolate é só um mal necessário. Me ensinou a brincar com carrinhos, pra eu entender desde cedo – apesar de o mundo dizer o contrário – que não existem coisas de menino e de menina, que posso chegar aonde quiser. Me inseriu em situações que confrontam minha condição social, intelectual ou econômica, para reafirmar que a minha realidade é só uma, entre muitas. Me mostrou, muitas vezes, que é normal (e saudável) eu e ela pensarmos de jeitos diferentes, e nisso também reside a graça da maturidade e da convivência. Foi ela que me ensinou sobre empoderamento, numa época que ninguém usava essa palavra, explicou que uma vida a dois não deve anular as individualidades, que sempre vale apostar em si e pagar pra ver.
No aníver da mulher mais incrível que conheço, eu tento celebrá-la escrevendo, distribuindo amor e estando a altura do que ela, generosamente, me ofereceu.
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