Eu não tenho aceitado me direcionarem adjetivos como guerreira e corajosa mais. Guerreira é a Xena, eu sou apenas uma mulher cansada. Corajoso é o Hércules, eu só não tive opção. Ao nascer me foram dadas muito mais que sete tarefas, todas impossíveis de cumprir, mas, que, delas, dependiam toda a minha existência. Tive que agir, fui obrigada a fazer, não tinha para onde correr. Todo o sucesso que vem da dor, ainda é dor, mesmo que o tempo passe.
Mulheres estão por aí, acumulando tarefas, preocupações, morrendo aos poucos por acreditarem que precisam dar conta de tudo: o sucesso inalcançável, a beleza que inexiste, a maternidade romantizada, o relacionamento que é um caminhão desgovernado a nos atropelar três vezes por dia. Tudo totalmente fora da realidade, fora da ordem natural das coisas. O cotidiano de ser mulher é esse emaranhado de absurdo, que nos foi ordenado organizar. Bom, para mim já chega. Deu!
Nunca mais um sorriso sem verdade sai do meu rosto. Nunca mais um esforço não merecido será demandado ao meu corpo. Nunca mais uma mínima ação para agradar alguém que não mereça. Nunca mais acato ordens, não sou soldado — nem raso, nem fundo. Nunca mais irei bater continência, sou brigadeiro do meu céu. Basta!
Traço meu caminho, pois tenho passado e lembrança e, tenho, possivelmente, um futuro para planejar, sonhar. No presente, ninguém me doma mais. Tô chucra e gosto. Chego aqui, machucada de tanta sela, sendo posta à corrida sem o mínimo preparo. Tudo aprendido à base do chicote dos dias. Eu é que não apanho mais.
Passei uma vida toda tentando agradar a Deus e ao diabo, no final eu nem sei em quem acredito ou quem faz, a mim, mais mal. Erguia as mãos em prece sem saber onde estava o céu. Fui levada por vezes demais ao altar sem saber que o bicho sacrificado era eu. Todos que me feriram e saíram, pasmem, ilesos. E eu saí, além de ferida, carregada de culpa.
Me culpei pelo que foi feito a mim e pelo que deixei que me fizessem. Mulheres conhecem bem essa conversa, nunca sabemos exatamente qual é nossa parte da culpa, mas, aparentemente ela nasceu conosco. Mas, viver acompanhada desse gêmea siamesa ingrata é, também, escolha. A partir de agora, laços cortados. Viverei minha vida e, sem culpa, buscarei a alegria do cotidiano com forças superiores.
E, nesse lastimável momento de perda e dor, ocasionadas por um vírus mortal e outras séries de descasos vindos de toda parte, precisamos pensar em nós, sim. Confinadas em casa, com uma bagagem imensa de vida cotidiana, teremos que sobreviver à pandemia e, também, às nossas próprias questões.
Olho para o mundo, vejo tanto horizonte, nem sabia que ele avançava para além das montanhas. O verde nunca foi tão verde e esse céu, sempre foi azul assim? É outono, já. Acho que agora essa é minha estação favorita do ano. Sempre vou me lembrar desse outono, onde eu floreei fora da primavera. Me fiz bela em flor e semente, pronta para dar frutos.