Eu lembro muito bem: o joelho ralado, o sangue escorrendo pela perna, o cascalho responsável pelo tombo que insistia em ainda decorar o ferimento. Isso foi lá pelos meus cinco ou seis anos, ainda na escolinha, e eu sei que todos ao meu redor já tinham passado ou passariam pelo mesmo. Os primeiros socorros pareciam infalíveis (ao menos, para a época): todo mundo tinha um vidro de Merthiolate pronto para ser usado em casos como este. A pazinha de plástico que vinha junto era a tecnologia mais avançada do momento para espalhar o líquido alaranjado sobre a ferida. E ardia. Eu lembro como se doesse agora...
Querendo ou não, a minha inocência (e penso que não só a minha) fez com que eu acreditasse que para tudo existe uma solução. E, sim, eu ainda acredito nisso, embora tenha a certeza de que nem sempre tudo é tão fácil quanto passar Merthiolate. Aos poucos a gente descobre que, se para tudo existe um remédio, nem sempre temos acesso, nem sempre podemos comprá-lo, às vezes está em falta ou ainda nem sabemos o seu nome para que possamos melhorar de uma vez. A vida é feita de histórias, de marcos, de acontecimentos que muitas vezes vêm acompanhados de tombos toscos, daqueles que a gente nunca imaginou viver, sabe? Do tipo, escorregar no cascalho e se ralar por inteiro. Mas caímos. E cadê o Merthiolate?
Tive que aceitar essa ideia meio punk de que Merthiolate não resolve tudo. Alguns machucados precisam de um pouco mais do que uma caixinha de primeiros socorros, e aos poucos Mercúrio vai virando só um planeta que nunca iremos conhecer. O que fica é a lembrança daquilo que tanto nos ardeu, mas que depois teve um fim. E se hoje arde e nem sempre depois cura, o que é que a gente faz?
O meu palpite é de que o pisca alerta é o Merthiolate dos adultos. Já reparou como tanta gente por aí acredita que ele resolve tudo? Esteja você parado na pista de rolamento em pleno centro da cidade; estacionado em um local cercado por três placas de "proibido estacionar"; ou "apenas" dando uma parada rápida no meio do trânsito das 18h para que alguém desça do carro. Não importa. Desde que você esteja com o pisca alerta ligado, é claro.
Parece mágico.
Acontece que o Merthiolate também parecia. Hoje, além de ter a sua venda proibida, ele não resolve tantas coisas (pelo menos ao meu ver). Sendo assim, o meu medo até que se justifica: o que é que vai acontecer quando a gente descobrir que o pisca alerta não resolve tudo? Quem é que vai apaziguar a nossa urgência em acreditar que para tudo existe uma solução tão simples quanto apertar um botão?