Quando eu era pequeno, visitar a casa da minha bisavó era um programa e tanto aos finais de semana. Lembro de sempre encontrá-la sentada no caixote de madeira que guardava as lenhas e ficava debaixo da janela, por onde ela nos via chegar. Eu não entendia direito o porquê de a bisa estar sempre naquele lugar, e hoje arrisco dizer que dali ela via tudo: o meu bisavô que tinha partido anos antes, a sua horta que tinha um pouco de tudo, e aqueles que lembravam de visitá-la e chegavam de mansinho pelo portão. Era sagrado: sempre que eu cruzava a porta e encontrava os olhos azuis que pareciam oceano infinito da minha bisa, ela me abraçava e perguntava se eu estava com fome. Além das balas de funcho no potinho de plástico de tampa amarela, ela me oferecia um “sandviche” – e eu levei algum tempo para pensar em como poderia escrever essa palavra exatamente aqui. Acontece que ela não sabia pronunciar “sanduíche”, mas isso para mim pouco importava. Importante mesmo era que aquele era o melhor lanche do mundo, cheio de toda a maionese e presunto que eu não estava acostumado a comer em casa. Hoje sei que mesmo se tentasse recriar, longe dali nenhum sanduíche conseguiria superar o da minha bisavó.
Quase sempre o lanche vinha acompanhado de um copo de refrigerante e o que estivesse passando na televisão, que ficava em cima de uma velha geladeira vermelha. Acho que o ingrediente especial era esse mesmo: todos os detalhes que nunca mais voltam. Até porque, depois da bisa, a casa virou outra e a sua gigantesca horta virou construção (efeitos do mundo moderno). E sabe como é, sem cenário fica difícil de criarmos novas histórias.
É estranho pensar que lembro da minha bisavó sempre que passo pelo corredor onde ficam as maioneses no supermercado. Mas fica mais compreensível quando entendemos que é assim mesmo que guardamos as pessoas com a gente: as armazenamos em objetos, lugares, cheiros e talvez em até outras pessoas. Fazemos isso de modo involuntário, porém com a certeza de que podemos revisitar cada uma de nossas saudades a qualquer instante, quando menos esperamos. Até no supermercado.
Hoje eu comi um sanduíche aqui em casa. Estava bom porque eu coloquei presunto e maionese, é claro. Mas não estava tão bom quanto um “sandviche”... Ah, quer saber? Prefiro nem tentar dar nome. O amor é uma palavra que a gente leva tempo para aprender a pronunciar.