Encontrei pastas e caixas cheias de papelada durante a minha mudança. Eram documentos, recibos, recortes de jornal, contas, receitas médicas e outras tantas folhas que talvez nem mais tinham validade. No meio da bagunça, até que haviam alguns papéis significativos, quase sempre lembranças de momentos específicos que a gente insiste em manter vivo ali, no papel. Levei algum tempo para decidir o que faria com aquilo tudo, mas no fim das contas, somando a minha falta de espaço com o sentido literal de cada mudança que promovemos, decidi jogar tudo fora.
Acabou sendo fácil. Quando a gente consegue rasgar a primeira folha de algo que julgava ser importante (e por isso guardamos), sendo que hoje já não vê mais sentido, é como se o desapego virasse um exercício obrigatório – e é. Tive que ser racional para filtrar o que eu realmente precisava manter comigo e tudo aquilo que não passava de papelada acumulada, mesmo que restasse alguma significância. A pergunta chave era clara: quantas vezes eu vou revirar tudo isso para fazer com que valha a pena guardar estes registros?
O nome já é bem claro: arquivo morto.
Não sei se a minha veia pulsante pela escrita me torna sentimental e metafórico constantemente (acho que sim), mas tendo a acreditar que tudo aquilo que foi vivido permanece com a gente para sempre na memória, desde que a gente julgue ser importante. Eu bem que fiquei pensando nos recortes de jornal de todas as matérias que saíram sobre o meu trabalho durante estes anos enquanto a sacola de lixo ainda estava na caçamba do outro lado da rua e ainda dava tempo para voltar atrás. Mas tem vezes em que temos que ser taxativos: desapega!
A má sorte é que não somos acostumados a desapegar facilmente da maioria das coisas. Eu mesmo sou daquele time que sempre acha que tudo tem uma utilidade – e que se ainda não teve é porque amanhã terá. É claro que o ato de revirar caixas e baús de memórias é especial, faz com que aquela sensação nostálgica nos envolva a ponto de parecer um abraço. Ao mesmo tempo, o exercício de desapego nos convence de que o que temos é o hoje, e ele é quem deve permanecer. O amanhã vai ser escrito, o ontem já é página passada. O que a nossa história diz de nós mesmos exatamente agora? Porque, cá entre nós, a gente sempre gosta de acreditar que os tempos passados eram maravilhosos ou que o futuro será incrível. E sim, foi e também pode ser tudo isso. Mas o hoje é tão repleto de possibilidades quanto.
O hoje é agora. É o que estamos fazendo neste momento e como isso acrescenta a quem seremos amanhã. E o agora é aquela caixa de mudança ainda vazia, a qual só depende de nós enchermos de tudo aquilo que já foi ou de todas as expectativas do que ainda será.
Eu prefiro o equilíbrio, sabe.
Hoje, a minha caixa de mudanças é ora cheia, ora vazia. Ela guarda lembranças temporárias, ela se renova, filtra, recicla e nunca transborda. Ela serve para fazer escolhas, para entender que o menos sempre vai ser mais, e que o que tem nela hoje, exatamente agora, é o que de mais precioso eu guardo comigo – até sabe-se lá quando.