“Ainda que eu falasse a língua dos homens, e falasse a língua dos anjos, sem amor, eu nada seria”. Não cito a letra de Renato Russo, mas a fonte original dele, a bíblica carta do apóstolo Paulo ao povo da cidade de Corinto. Essa carta foi escrita na língua hegemônica do começo da era cristã, o grego, e a palavra amor no texto foi grafada como “ágape”. Era como os gregos concebiam um amor incondicional, acima das diferenças e divisões, um amor divino. Evoco aqui o amor ágape porque ele se relaciona ao amor de Aquário. Nos próximos dias, nada menos que seis astros estarão passando pelo signo do aguadeiro cósmico – culminando, no dia 11, com a Lua Nova. Entre tantas pautas aquarianas em evidência, destaco esse amor que traz em seu bojo o respeito irrestrito pelo semelhante.
Com sua Lua em Aquário, Raul Seixas falou, em A Maçã, desse amor que “só dura em liberdade”. O amor ágape é diferente de outra forma de amor que os gregos chamavam de “eros”, centrado no particular desejo pelo outro e numa consequente posse. Raul ilustra: “O ciúme é só vaidade / Sofro, mas eu vou te libertar”. O ágape desperta o outro e o faz voar. Por isso, é um amor do elemento ar, leve e superior, acima dos instintivos apegos e controles individuais. É um amor celestial, pela humanidade inteira. E dele brotam os conhecidos impulsos aquarianos por justiça e fraternidade.
Segundo a carta do apóstolo Paulo, o amor como ágape “não procura seus interesses”. Seria esse o amor universal, altruísta e solidário, o amor ao próximo como a si mesmo. Um amor aquariano, portanto, capaz de estimular engajamentos em prol do coletivo e dos mais frágeis. Daí eu penso na atual concentração planetária em Aquário e no quanto andamos carentes de consciência social. A pandemia do coronavírus, ao expor um problema mundial, sugerindo ações conjuntas de cura, também expôs o extremo de uma cultura narcisista, calcada nas posses individuais e no cego egoísmo, em que a indiferença em relação aos outros surge sem disfarces e até com violência. Notícias do Brasil denunciam a toda hora o horror do desprezo absoluto pelo semelhante, seja nas instâncias mais cotidianas ou nos altos escalões do poder. E assim, a morte reina soberana num manto verde e amarelo.
Negar a pandemia e não se importar com as medidas de segurança viraram estratégias de guerra em infantilizadas trincheiras ideológicas. Com o país dividido e polarizado, atendendo a bizarros “direitos à opinião” e a oportunistas orquestrações políticas, desaparece de vez o já raso respeito pelo outro. Consciência social? Ora, rotula-se que isso é coisa de comunista e encerra-se o assunto. Resultado: caminhamos todos para o abismo da desumanização e da
estupidez. Até a ciência – dádiva aquariana contra a insensatez das crenças subjetivas – é confrontada pelos mais fanáticos em obscurantistas teorias conspiratórias. O Brasil já vive uma guerra civil, ainda que não reconhecida, entre realistas e delirantes. Enquanto isso, perdemos todos a batalha mais urgente contra o vírus.
Tomara o atual derrame generoso de energias aquarianas reforce a lucidez de nos percebermos como uma única humanidade. Quero apostar no poder do amor ágape de gerar compreensão, respeito e cuidado, apesar das indústrias de ódio. Insisto em imaginar um futuro melhor. E sonho com mudanças, mesmo que meu duplo cético me lembre de uma máxima do Carl Jung de que ninguém muda enquanto não sofrer o suficiente.