Diariamente é uma palavra lânguida. É a síntese do verso “Todo dia ela faz tudo sempre igual”, cantada por Chico Buarque. Sugere ainda uma repetição cansativa, arrastada de tédio e preguiça. Diariamente só fica doce e leve na voz de Marisa Monte.
Da sacada do apartamento onde moro, assisto diariamente a uma dezena de trabalhadores colocar de pé um novo arranha-céu. Parece que agora é o último andar. Diariamente eles carregam lá para cima, com o uso de um guindaste, carrinhos e mais carrinhos do que suponho ser argamassa. Desconheço as técnicas usadas para assentar tijolos e não tenho condições de avaliar se a obra está seguindo seu ritmo desejado. Impossível, pelo menos para mim, saber se os empreiteiros estão seguindo o projeto. Imagino que diariamente um responsável técnico deva fazer essas avaliações.
Por mais dinâmico que pareça todo trabalho tem sua dose de repetição. Não se trata apenas de uma linha de produção, nos escritórios das fábricas também é assim. Diariamente, reuniões ocorrem de forma sistemática. Pode ser online, presencial ou no modelo da hora: híbrido. Reuniões essas que nem sempre conduzem os interlocutores para o mesmo sentido. Diariamente, o cartão ponto, a hora do almoço (será que vai dar?) e, no final do dia, correr para buscar os filhos na creche.
Diariamente o bebê chora na mesma hora, no instante cronometrado em que os pais, livres de suas rotinas e tarefas laborais e de casa, parece que teriam um tempo para olharem para si e para dentro dos olhos um do outro e, quem sabe, ceder a uma intimidade que todo dia é adiada. A repetição é cansativa. Diariamente, os pais se revezam para embalar o bebê, que rompe sempre o limite do cansaço e só parece dormir quando o pai ou a mãe apagam primeiro.
Agora é época de podar parreiras na Serra gaúcha. Milhares de hectares de terra, entre videiras centenárias e jovens, precisam da dedicação de centenas e centenas de agricultores, diariamente encarregados desse manejo que é importantíssimo para a saúde da planta e para a qualidade e a quantidade dos frutos. E quem é que pensa nessa dedicação quando abre uma garrafa de vinho? O cotidiano se torna invisível diante da nossa insensibilidade.
Diariamente o psiquiatra refaz o percurso de fora para dentro, buscando ajudar quem o busca a domar medos, aflições e angústias. E cada vez mais é preciso receitar comprimidos tarja preta, porque cresce, diariamente, a ansiedade para dar conta de fazer tudo sempre igual. Até o coach repete diariamente que é preciso fazer diferente para conquistar um resultado diferente.
E por fim, entediado, escrevo que nós, torcedores do glorioso Caxias, diariamente acordamos na Série D.