Acho triste a ideia de precisarmos perder algo para lhe atribuir valor. Infelizmente, em muitas circunstâncias é assim, pois nos distraímos, a despeito do quão afortunados somos. Mas a ampliação da consciência pode nascer de banalidades também, sem o extraordinário irrompendo para dar importância superlativa ao que se dilui no cotidiano. Da filosofia budista, aprecio especialmente os ensinamentos sobre a capacidade de expandir a atenção. Se você observar, quando nos encontramos absortos em outras coisas, normalmente erramos, trocando os pés pelas mãos. No trânsito, nas relações amorosas, no trabalho. Acostumamo-nos a receber mil estímulos, concomitantemente. E a nos orgulhar de tudo absorver. Na prática, raramente isso acontece. Às vezes até pode, mas fica longe da excelência. Gosto de fazer tudo com calma, parcimoniosamente. Procuro disciplinar minha mente para ela se concentrar no específico, tornando o restante periférico. E evito como posso a interrupção de uma atividade quando sou convocado a ir além (e ao mesmo tempo) do que estou vivenciando. Exemplo: assisto a filmes com um grau absoluto de concentração. É difícil para mim sair do que alguns chamam enganosamente de fantasia ou imaginação. Há somente a história, e ela desperta semelhante arrebatamento quanto a realidade propriamente dita.
Estamos vivos e a percepção desse milagre deve gerar dentro de nós um sentimento de espanto e gratidão. Parece-me desnecessário entrar em uma igreja para ser tomado pela sensação de assombro. Minha religião flerta sem constrangimento com o banal, o ordinário. A convicção dos dias sendo consumidos rapidamente me deixa extremamente alerta. Sinto um desespero manso, quase sublime. Gasto horas lendo, contemplando, caminhando a esmo. Não produzir compulsivamente, como tanto vejo ao meu redor traz, para mim, a agradável sensação de fazer muito. Busco ordenar os pensamentos em busca da melhor maneira de resolver problemas presumivelmente graves. Agir por impulso demonstra escassa inteligência. Então, acesso algum resíduo de calmaria e só depois, bem depois, vou procurar a solução. Acredito na maturidade como uma época para aplacar a sofreguidão. Sem abdicar das pulsações, do interesse pelo que me cerca. Estou trocando o radicalismo (sobretudo em referência ao mundo virtual), pela aceitação tácita do que se apresenta. As ferramentas à nossa disposição são inequivocamente neutras. Cabe a cada um dar-lhes um lugar periférico ou central.
O que escrevi até agora poderia ser resumido nesta frase: existir é um espetáculo e um desafio. Toda cena me encanta e me afeta. Cerco-me de certo silêncio e outro tanto de respeito. No mais, é acolher mansamente a dor e a alegria, irmãs com as quais andamos de mãos dadas do nascimento até a morte.