Segue a vida mansa por esse dezembro sem pressa. Não quero entrar em lojas apinhadas de gente para demonstrar um amor que clama por sutilezas, entregas. Evitarei presentes com laços vistosos. Continuarei acordando cedo para ouvir o canto dos pássaros; empenho-me pouco em ter mais tempo para preencher com tarefas. Quero o dia generosamente largo, com horas que se derramam diante de mim sem culpa ou ressentimento. Olharei para as petúnias que desabrocham pela manhã e já ao entardecer se despedem sem resistência. Acompanho seus ciclos e entendo mais sobre nossa condição de fragilidade contemplando a natureza, início e fim que se entrelaçam em cada estação. Bendigo esse calor morno que me faz caminhar a esmo pelas ruazinhas perdidas em busca de um caramujo, uma borboleta, uma vaca pastando no horizonte. Que eu permaneça fiel a esse gosto pela poesia, transmutando o banal numa espécie de mistério que pouco me preocupa decifrar com palavras.
Enquanto escrevo, sentado numa cadeira ao lado da fonte, ouço o murmúrio da água e é como se o mar, todo o mar, me pertencesse. Um sabiá da cor da terra vem beber e nem se assusta com a minha presença. Fico imóvel para poder contemplar seus movimentos de bailarino que dança no ar. A brisa agita com doçura os galhos das plantas, fazendo com que algumas buganvílias brancas comecem a formar um tapete sobre a grama. Abro O livro da sabedoria e das virtudes redescobertas, do pensador francês Jean Guitton e leio: “É preciso despertar o interesse e fazer nascer a esperança. Mostrar a virtude como uma bela paisagem: um pico nevado, um nascer do sol, ou um entardecer, como esta noite sobre Luxemburgo. A beleza! No fundo, beleza e bondade são a mesma coisa. Eu vivi por isso.” São mestres como ele que nos salvam de uma existência medíocre, jogando luz sobre esferas morais e estéticas esquecidas. Uma reflexão assim pode nos salvar. Como me ensinaram os filósofos estoicos, posso até encontrar um egoísta, um indelicado, um indiferente - nada me afetará. Em mim há de persistir esse chamamento que poderá me transformar num ser humano decente, merecedor de assim ser chamado.
Carrego poucos cansaços. Depois de longa disciplina e auto-observação, aprendi a deixar tudo o que pesa em seu devido lugar: no esquecimento. Cada pessoa que encontro é uma possibilidade de descobrir o que a pequena cela do Eu me impede de alcançar. O que não posso fazer agora pouco me aflige. A natureza prescinde de urgências, apenas segue o fluxo. Para preservar essa consciência, mantenho o propósito de meditar com constância, trocando a distração pela certeza de que o que tenho já basta. Minha fé abriga um gosto pelo eterno. Que venha o Natal e o Ano Novo. E março e julho. E setembro. O calendário que mais aprecio é interior. A festa é sempre.