Tiago Luiz Schmidt, 42 anos, presidente do Conselho de Administração da Sicredi Pioneira, nunca trabalhou em banco ou atuou como colaborador na instituição que comanda. Mas destaca como um dos principais atributos que o credenciaram a assumir o posto máximo da primeira cooperativa de crédito do Brasil o fato de não estar inserido no mercado financeiro.
Schmidt considera-se um representante da maioria dos associados, o que ajuda na leitura de suas necessidades. A seguir, ele fala sobre sua trajetória profissional dentro e fora da cooperativa, destaca as principais mudanças no setor e o que vem pela frente, especialmente para Caxias.
Como começou a tua história com o cooperativismo de crédito?
Eu sou formado em Administração de Empresas, com curso técnico na área desde 1996. Atuava no mercado, sempre em empresas da área da construção e de transformação de plásticos e metais, em departamentos comerciais. Em 2003, fui trabalhar na empresa da família com o meu pai. Até então a minha única experiência com o mercado financeiro era com banco tradicional. Mas a primeira coisa que meu pai me pediu foi para que abrisse uma conta na Sicredi. Eu disse que não precisava, pois já tinha em outro banco. Ele disse que não era um banco, era uma cooperativa e, por isso, tinha uma série de diferenças que ele entendia como importantes. Mas até então eu não percebia. Ele disse: “se tu vais trabalhar comigo, vai trabalhar com o meu dinheiro e, se quer trabalhar com meu dinheiro, vai ser na Sicredi.” A primeira diferença que percebi foi no acolhimento mais próximo e vi que não era só comigo. E comecei a despertar uma curiosidade em relação a essa forma de atuação. Até que um dia eu conheci em uma assembleia o Édio Spier, que foi presidente por 36 anos da Sicredi Pioneira, isso até 2010. E ele me trouxe uma série de informações, especialmente em relação a como ajudar a desenvolver a região pelas escolhas em relação às empresas que consumimos. Vale para alimentos, bebidas, transportes, prestação de serviços e para instituições financeiras. Ele dizia que, cada vez que colocávamos o nosso dinheiro em um banco tradicional, a maior parte desses recursos ia para outras regiões do Brasil e deixava a nossa mais pobre. Anos depois, eu fui estudar e, de fato, existe um dado do Banco Central que, de 100% dos depósitos realizados em todo o território brasileiro, 52% hoje são canalizados para operações em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E como vai morar em uma região mais próspera, mais desenvolvida, se os recursos do nosso trabalho acabam saindo da região? O cooperativismo tem a lógica inversa, do recurso daqui ser reinvestido na região onde está inserido, e isso acaba impactando positivamente no PIB, IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e outros índices.
Como foi sair da empresa familiar para a cooperativa?
Tem a ver com o modelo de gestão democrática das cooperativas. Eu acabei gostando do modelo e acabei trazendo mais conhecidos para dentro dela. E, em 2010, a Sicredi Pioneira implementou um modelo de representação delegada por parte dos associados, que chamava de coordenador de núcleo. Toda cooperativa tem um conselho fiscal, que são associados eleitos para representar os sócios na gestão. Mas, em função do tamanho da cooperativa e da área de atuação de municípios, como garantir a representatividade em cada uma das 21 cidades? Daí se montou essa estrutura de núcleos, e eu acabei sendo o indicado para representar um grupo de Estância Velha, a cidade onde tenho o vínculo da minha agência como associado. Eu sempre atuava como coordenador, participava das assembleias, das reuniões em Nova Petrópolis. Quando a cooperativa lançava algum projeto, sempre encaminhava meu parecer, dava sugestões... Foi essa proximidade que fez com que meu nome fosse indicado em 2014 para o conselho. Em 2016, após mentoria, avaliação de todos candidatos, o meu nome foi indicado para assumir como presidente.
Qual é a média do tempo de mandato?
Não tem um prazo. A gente costuma adotar práticas de governança e costuma ser entre dois e três mandatos. Eu estou no meu quinto ano. No ano que vem, tem eleições, e eu participarei novamente deste processo, mas já começo a planejar a minha sucessão. Já são mais de 15 anos na Sicredi considerando desde meu tempo como associado. Normalmente, as pessoas dentro de uma cooperativa de crédito têm um entendimento de que, para assumir como presidente, tem que ser alguém que tem experiência como gerente ou diretor da cooperativa. Pode ser isso, mas não é o meu caso. O meu diretor-executivo sempre comenta que eu sou um retrato daquilo que a gente chama de jornada do associado, que virou coordenador, virou conselheiro, que foi indicado para ser presidente e que começa a planejar sua sucessão para que outros associados também assumam essa cadeira nos próximos anos. Eu nunca fui colaborador, minha família tem empresa de estruturas metálicas em que permaneço até hoje, mas isso mostra como é a governança hoje e o que é o cooperativismo de fato, um grupo de pessoas com um objetivo em comum. O papel do Conselho de Administração é representar o associado, definir estratégias, fazer a leitura das carências, das dores, das necessidades do mercado, traduzir isso em direcionadores estratégicos e colocar na mão dos nossos diretores, que aí são técnicos e que vão fazer essas entregas.
O que mais mudou durante esses 15 anos em que está na Sicredi?
Dentro dessa jornada, a gente pode olhar a tendência da automação dos processos, serviços de tecnologia do transacional. Aí a gente enxerga muita mudança. Eu lembro de como as pessoas tinham necessidade de ir na agência sacar para ir ao súper, farmácia, posto... A gente brincava que, se carimbasse o dinheiro de manhã, as mesmas cédulas voltariam no final do dia. Com o pix, acelerou mais ainda o meio de se transacionar. Mas nós, como cooperativas, olhamos para as pessoas e para a importância do relacionamento humano. O computador é muito prático e seguro para transferências, depósitos, boletos, mas na hora de fazer uma previdência, consórcios, aplicações, sabemos o nível de educação financeira que temos no Brasil. O celular não vai ensinar isso para as pessoas. Trabalhamos com um modelo completamente sem metas. Temos objetivos para atingir como um todo. A cooperativa precisa entender o momento de vida de cada pessoa. Hoje são quase 200 mil sócios na nossa área de abrangência, 54 mil só em Caxias. Todas pessoas diferentes. Essa consultoria é muito importante e, por isso, a cooperativa vem crescendo muito.
Você também acompanhou toda evolução dos financiamentos direcionados ao mercado de energia solar, certo?
Em 2015, já falávamos bastante de energia solar. Lembro que, em 2018, nossa carteira para isso era de R$ 3 milhões. E a gente não entendia como não crescia mais sendo um bom investimento financeiro, patrimonial, de sustentabilidade e por acabar sendo uma contribuição para a matriz energética do país. O grande incômodo era em relação à segurança jurídica da instalação. Se percebia que a população tinha medo de fazer algo que teoricamente era bom, mas que, ali na frente, poderia ter questões de regulamentação. A partir do momento em que estudamos isso e começamos a levar conhecimento para o associado, fazendo até oito eventos por mês, tudo mudou. Não vendíamos mais o produto, nós entregávamos conhecimento. As pessoas, a partir disso, tomavam a decisão de fazer ou não o investimento. A nossa carteira chegou a R$ 80 milhões no final de 2018 e hoje está na marca de R$ 330 milhões. É a maior carteira de energia fotovoltaica do sistema Sicredi em todo o Brasil entre todas as 108 cooperativas. É algo que nos orgulha, ter Caxias do Sul quase que em todos os meses figurando no ranking das 10 cidades brasileiras com maior geração distribuída sendo a única cidade que não é Capital.
Como foram os últimos anos com pandemia?
A crise acabou sendo alavanca para o cooperativismo. A teoria de que as cooperativas se fortalecem em momentos de crise se confirmou mais uma vez. As pessoas acabam sendo mais coletivas. Nosso desafio é manter esse comportamento agora. Não existe cooperativa rica em sociedade pobre. Ela tem por natureza buscar prosperidade. Essa foi nossa angústia quando iniciou a pandemia. Passamos de imediato a promover prorrogações de contratos. Foram de 22 mil parcelas de crédito e agora gira em torno de 270 parcelas prorrogadas. Era um quinto de toda a operação, mas 4 em cada 5 continuaram pagando em dia. Tivemos de fato alguns segmentos que sofreram muito, como turismo, hotelaria, restaurantes, e nossa região tem um caráter muito forte nessas áreas. Por isso, lançamos linhas de crédito para esses segmentos, e funcionou. A cooperativa cresceu em 47% sua carteira de crédito de 2020 e 44%em 2021. Nós dobramos de tamanho em dois anos. Aumentaram também os depósitos. Muitas pessoas continuaram com rendimentos, mas não saíam e o dinheiro foi acumulando. Enxergávamos esse com um gatilho para que, assim que liberasse, termos o chamado consumo por vingança. É o que a gente está vendo hoje.
Qual o papel de Caxias para a Sicredi Pioneira?
A gente tinha nove agências há quatro anos em Caxias e passamos todo esse período de pandemia crescendo. Nos últimos dois anos, inauguramos três agências: a do Santa Lúcia, do bairro Sanvitto e de Galópolis em 16 de maio. Para nós, é importante, porque abre novas contas, novos sócios, mas não só pelos produtos financeiros. Nossa grande entrega é levar conhecimento. O exemplo é nossa carteira do agro. São R$ 350 milhões na região e a maior parte dela está em Caxias, com quase 50%. A cidade é um destaque no agro em mais de 60 culturas. Inclusive pretendemos abrir uma agência em Fazenda Souza e outra em Forqueta. Nossa lógica é essa, ir onde outros não vão. No agro, temos programa de sucessão familiar rural, porque o crédito não é o mais importante. O que queremos é que permaneça a atividade. Não adianta daqui a 10 anos ter recursos para empresas se não tem mais agricultor. Temos convicções que é possível viver com rendimento melhor que na cidade e com qualidade de vida. A gente montou esse programa de 12 módulos que é quase um MBA em gestão agro. Temos mais os programas de educação financeira, do turismo – até pela vocação da nossa região – e outras tantas pontas onde atuamos para trazer prosperidade.