Quem acompanhou a cerimônia de abertura da edição 2024 do Festival de Cinema Italiano, realizada em Caxias do Sul na última quinta-feira (7), notou o quanto a presença do cônsul-geral da Itália em Porto Alegre foi valorizada. Muito além do peso institucional do cargo, Valerio Caruso tem gerado admiração na comunidade de descendentes de italianos no RS pelo dinamismo que tem colocado no exercício de suas atividades.
Natural da cidade de Módena, na Região da Emília-Romanha, Caruso é um jovem diplomata, com 35 anos de idade. Assumiu o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre em agosto de 2022, em meio a um grande crescimento da demanda por reconhecimento da cidadania italiana, que fez a fila de inscritos mais do que dobrar de tamanho nos últimos cinco anos. Mesmo assim, tem conseguido agilizar os atendimentos aos requerentes e demonstra compreensão e atenção às demandas dos ítalo-gaúchos.
Nesta entrevista, concedida um pouco antes da cerimônia de abertura do Festival, Caruso avaliou com franqueza o trabalho realizado pelo consulado e revelou planos para agilizar ainda mais o atendimento, embora admita que há alguns limites para isso. Também admitiu que se surpreendeu com a valorização da Itália existente na Serra, e colocou como objetivo aproveitar as comemorações dos 150 anos de imigração para divulgação e valorização do Rio Grande do Sul na Itália.
Pioneiro: Como o senhor avalia a importância de um evento como o Festival do Cinema Italiano para fazer esse estreitamento de laços, especialmente às vésperas da comemoração dos 150 anos da imigração italiana no RS?
Valerio Caruso: Eu acho que é fundamental, porque não é somente serviço consular, mas é também diplomacia cultural o que a gente traz. O Festival do Cinema Italiano não vai acontecer somente em Porto Alegre, e tentamos organizar um evento que seja mais abrangente. Lembrando que a nossa comunidade italiana está espalhada em todo o Estado, então há uma demanda de cultura italiana muito grande, que a gente não consegue atender, e então, esse festival é a possibilidade para quem tem interesse na cultura italiana, que não é somente um passaporte vermelho, e sim se aproximar e entender um pouco o que representa a cultura, o país e a língua.
O senhor está há pouco mais de dois anos no Consulado de Porto Alegre. Como tem sido conviver com esse interesse que temos aqui no Estado, especialmente na Serra, pela Itália? Isso lhe surpreendeu?
Sim, me surpreendeu muito. E para mim, como diplomata, é maravilhoso achar esse amor, que talvez nem exista na Itália. Eu vejo aqui um amor pela Itália que é extraordinário e que, para mim, representa uma responsabilidade, porque eu quero devolver e retribuir, mas não é fácil. As demandas são grandes, já que o Rio Grande do Sul é o estado mais italiano do mundo fora da Itália. Conta-se aqui mais de 4 milhões de descendentes, pois 40% da população gaúcha têm ascendência italiana, e nós estamos tentando fazer o melhor para que todos os gaúchos, descendentes de italianos ou não, possam ver a Itália com interesse e tenham orgulho dessa identidade italiana que caracteriza tão fortemente a cultura gaúcha.
No passado, o então cônsul-geral Nicola Occhipinti (que exerceu a função entre 2014 e 2018) descrevia os descendentes de italianos como um inestimável patrimônio humano e cultural para a Itália. O senhor vê assim também?
O Nicola é um querido, eu não posso não concordar com ele, pois além de tudo é um amigo. Eu gostaria de adicionar que, além de um patrimônio pela Itália, é um patrimônio do Rio Grande do Sul. Talvez mesmo os gaúchos não estejam conscientes da enormidade do patrimônio que têm, de um estado que é diferente dos demais do Brasil, e que não é valorizado como poderia em termos de turismo, cultura e excelências que derivam desse legado italiano. Então, a nossa diplomacia quer também ajudar nesse sentido, de valorizar não somente a Itália, mas também a italianidade que está dentro de cada gaúcho.
O consulado está sediado no Estado, e por conviver com o nosso dia a dia, conhece essa situação. Mas a população italiana em geral tem consciência dessa realidade que existe aqui, e de uma comemoração como os 150 anos da imigração?
Muito pouco, e esse é um problema. Eu preciso confessar que eu também não sabia muito dessa extraordinária realidade. Conhece-se um pouco a imigração italiana nos Estados Unidos e se tem pouco conhecimento da imigração italiana no Brasil. Há um grande trabalho que todos nós precisamos fazer, porque isso não é uma tarefa simplesmente de um diplomata ou cônsul do Rio Grande do Sul. Isso é um trabalho que deve ser feito por todos nós, para que esse legado seja reconhecido na Itália e pelos políticos também. Eu sou otimista de que os 150 anos da imigração italiana no Rio Grande do Sul possam representar uma ferramenta para que essa valorização se expanda também na Itália.
O consulado, além das atividades básicas de representação e divulgação cultural, tem como maior ponto de contato com os descendentes a tarefa do reconhecimento da cidadania. Como o senhor avalia esse serviço feito pelo consulado, que inclusive tem sido acelerado na sua gestão?
É claramente um desafio, porque o cônsul-geral da Itália é como se fosse um prefeito de uma cidade com um número de cidadãos que cresce muito. No ano passado eu estava fazendo uma entrevista com um colega teu da Rádio Gaúcha e falei que o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre ia chegar ao recorde de 120 mil cidadãos. Hoje já estamos chegando a 130 mil. Daqui a um ano eu vou falar do recorde de 150 mil cidadãos reconhecidos. Você imagina o desafio de gestão e serviços para uma comunidade que aumenta de 7% a 8% cada ano? É enorme! Então, o desafio existe e nunca vou prometer que o consulado vai conseguir reconhecer 50 mil cidadanias. A fila existe e é muito grande, o que também tem um lado positivo, pois significa que pessoas querem esse reconhecimento e querem estreitar esse laço com a Itália. O que nós queremos é botar as coisas em ordem, e é importante fazer com que, do ponto de vista da realização dos serviços consulares, exista uma expectativa de baixar o tempo de espera.
A fila também aumentou muito nos últimos anos também devido às notícias de possíveis alterações na legislação da cidadania, um debate que existe hoje na Itália. Obviamente que isso não é uma questão do consulado, pois é um tema de governo, mas o senhor acha que existe alguma perspectiva real de mudança na lei?
Pessoalmente, não sei. Cada estado tem o seu debate democrático e eu acredito que não seja fácil achar uma síntese das diferentes posições. Mas é claro que nós aqui vemos que os nossos cidadãos italianos têm uma grande ligação com a Itália. Então, mudando ou não, temos que lidar com a situação como ela é hoje, que é o direito de jus sanguinis. E nós vemos que aqui, no Rio Grande do Sul, esse legado e essa aproximação com a Itália são mais fortes que em outros lugares, e a nossa responsabilidade é fazer com que esse direito seja verdadeiramente atendido, que o consulado consiga reconhecer o maior número possível de cidadanias, mesmo que, de toda forma, os serviços consulares sejam limitados.
O senhor acha possível estabelecer uma meta?
Eu só posso prometer que o consulado está fazendo o seu melhor, e as pessoas estão agradecendo pois estão vendo um novo dinamismo. Devemos lembrar que a cidadania italiana não é simplesmente um direito, não é só um documento de viagem. É também um conjunto de deveres que a gente deve fazer respeitar e divulgar. Nós não podemos pensar que no próximo ano, como já falei, o consulado consiga reconhecer 4 milhões de gaúchos, mas acho que o objetivo de reconhecer 5 mil cidadanias por ano é realizável. Nós trabalhamos com esse objetivo, qual que seja a lei, nós precisamos fazer com que os ítalo-gaúchos possam se orgulhar do consulado deles.