Ontem fiz uma máscara de cerâmica. Fiz Pinóquio. Meu Pinóquio tem quatro olhos, alguns dentes e um certo choro. Gosto muito deste garoto que teve sua história, exageradamente, associada à mentira. Pinóquio fala do quanto é difícil largarmos do molde do desejo do outro. Os pais de crianças pequenas se assustam quando descobrem que o filho começou a mentir. Eu ouço a preocupação e convido-os a celebrar este momento. Parece estranho dizer isso, mas na verdade quando a criança consegue elaborar uma mentira demonstra que há algo de imaginativo ali associado a uma certa busca por autonomia. Um desejo inconsciente de afastar-se. É difícil para os pais suportar isso. O que é a mentira senão um lugar em que o outro não alcança? É claro que é preciso observar e educar sobre o que é a mentira e o que é a verdade, embora, não sejamos hipócritas, mentimos a vida inteira. Até os mais queridos e bonzinhos. (Esses talvez ainda mais). E alguns mentem que apenas omitem certas coisas.
Com o tempo descobrimos que a mentira é uma forma de deformar a realidade, mas é preciso amadurecer muito para se dar conta. Isso é interessante porque nos joga para um outro ponto de entendimento, afinal, talvez a mentira esteja muito mais associada a incapacidade de suportar a realidade do que aquilo que entendemos por verdade. Até porque a verdade é tão atravessada de quês, de pontos de vistas, de camadas que fica impossível nos agarrar a certeza dela. A verdade é sempre incerta. E penso que talvez Pinóquio mentisse para inventar uma história para si, porque sua realidade era ser feito de madeira sem vida, moldado pelo desejo do Gepetto. Filho de um desejo narcísico e, por um longo tempo de agruras e descobertas doloridas, uma prótese narcísica deste pai. Quem nunca sentiu esse desconforto? Daí, mentimos sobre a infância que tivemos. Romantizamos nossas dores. Desculpamos os adultos de outrora. Justificamos que não sabiam o que faziam. Reelaboramos um enredo mais cheio de aventuras e alegrias. Escondemos nossa solidão embaixo de uma mentirinha aqui, outra ali e assim vamos criando um personagem para nós. Então crescemos e mostramos a mesma faceta sempre polida, brilhante e quase acreditamos que inventamos um outro nós para nós mesmos. Mas isso é mentira, claro, porque a verdade sobre nós mesmos é que mentimos.
A mentira é o sapato do palhaço. Grande demais, desajeitado demais, um embuste. Quando criança rimos do palhaço, às vezes até temos medo, mas depois de adultos nos deparamos com a miséria humana representada pelo personagem. Descobrimos que o sapato é grande porque não é dele. O sapato é uma metáfora. Fala do quanto somos despossuídos, errantes e até ridículos. Se o palhaço cai por causa do sapato, nós, pelas mentiras. Mas a beleza da vida está em suportar nosso ridículo de ser. Aceitar que tudo é provisório e que estamos aqui de passagem. E eis outro paradoxo: quanto mais aceitarmos a precariedade de quem realmente somos, mais reais nos tornamos. Mais humanos. Quiça mais verdadeiros. Seja lá o que isso quer dizer.