Há o barro escuro e o mais claro, assim como nossos cabelos ou como nossos olhos. São argilas com suas texturas, com pedras ou sem, de sal ou de mar. Há o barro leve, que passa de uma mão à outra se deixando modelar igual ao toque dos dedos apaixonados na pele do ser amado, contornando as dobras da alegria. Porque a pele, a alegria e a argila se parecem. Há o barro pesado, endurecido e maciço, igual às espadas que empunhamos em dias de loucura e raiva. Difícil de tocar, nos toca em sua secura e nos exige que a umidade brote primeiro dentro. Porque o barro assim é igual às pernas firmes que correm em fuga para longe. É uma luta quase vã. O cansaço, o esgotamento e a resistência. Há argilas úmidas que se colam às mãos feito saudades. Tingem de rubro os punhos, a face, o estar no mundo. Barro vermelho é igual aos lábios de quem amamos, da língua, do querer. Impregnado de seiva, o barro rubro atiça o toque do tambor e faz o corpo tremer. Porque barro, lábios e línguas se parecem. O barro tem cheiro de barro, parece vivo. Barro tem cheiro de corpo. Carrega o cheiro do que veio antes e apenas do que ficará. Tem cheiro de terra molhada pela chuva. Cheiro de água, de mergulho, pois quando mergulhamos a água corta o tempo em dois, onde um não existe. Há argilas que se deixam trabalhar, que se doam ao toque amoroso e nervoso, tal como notas musicais arrancadas aos nacos. Imprimem um som no mundo que amortece o barulho interno ao mesmo que tempo que transmuta em música o que ainda não se pode definir. Barro é como o corpo vivo que regurgita desejos e ondulações. A argila depois de queimada tilinta na noite escura. Treme, sussurra, mostra-se, queixa-se. Se se esta triste o barro ajuda a purificar a dor. A cerâmica entrou tarde em minha vida. Entrou e como metáfora mostrou que é preciso no mínimo duas queimas para que criemos resistência. Gosto tanto do barro que às vezes como um pedaço. É uma espécie de fome. Porque cerâmica, gosto e fome se parecem. E para que serve mexer no barro, perguntam os que desconfiam de seu poder. Serve para reencontrar a poesia de se estar aqui, serve para desencontrar-se do tempo das exigências, serve para o nada e para o tudo. Serve para entender que ao mexer no barro, como diz meu amor, somos levados para mais perto do princípio, de quando ainda não éramos e nem desejávamos ser.
Opinião
Adriana Antunes: poemas do tato
Barro é como corpo vivo que regurgita desejos e ondulações
Adriana Antunes
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