São 68,4 quilômetros de chão batido, pedras e barro, sem pavimentação asfáltica, que separam Passo Fundo de Erechim na quarta maior rodovia do Brasil, a BR-153, popularmente conhecida como Transbrasiliana.
A distância entre os municípios mais populosos do norte gaúcho só não é maior que o tempo de espera da comunidade: mais de 50 anos aguardando as obras de asfaltamento entre as duas cidades.
A espera deve ser ainda maior, visto que o projeto de pavimentação asfáltica, que era previsto para ser concluído no ano passado, atrasou e está com prazo prorrogado para julho, de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
Em setembro de 2019, foi realizado um ato de entrega do edital de licitação, em Passo Fundo, para contratação de empresa especializada para elaboração de estudos e projetos básicos executivos de engenharia da rodovia.
Depois de dois anos, no segundo semestre de 2021, uma verba de R$ 5,9 milhões para a pavimentação asfáltica havia sido liberada pela então bancada federal gaúcha, segundo informações do Comitê Executivo Pró-Conclusão da Obra da BR-153, na época.
Sem o projeto concluído, a verba acabou sendo utilizada para outra finalidade, a pedido do Dnit: a conservação de estradas estaduais, de acordo com o presidente da Associação Comercial, Industrial, de Serviços e Agronegócio (Acisa) de Passo Fundo, Cássio Roberto Gonçalves.
— Conseguimos que a Transbrasiliana fosse incluída como emenda dos deputados e senadores. Mas aí veio o problema. Após o governo colocar no orçamento, o que ocorreu foi que o projeto não estava pronto. E acabamos remanejando os valores a pedido do Dnit. Prejudicou o nosso projeto — explica.
Em nota, o Dnit afirma que o projeto segue em elaboração. Algumas partes já foram aprovadas pela autarquia, enquanto outras seguem em análise. Após a conclusão e aprovação, caso não tenha nenhuma correção, poderá ser licitada a contratação da obra, conforme plano a ser definido pelo governo federal.
GZH questionou o Dnit a respeito da perda dos R$ 5,9 milhões para a Transbrasiliana, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. A partir da conclusão do projeto, também se iniciam as buscas para verbas para a concretização da pavimentação asfáltica.
— O que precisamos agora é trabalhar para que o projeto seja concluído. Sem projeto, não tem obra. Já perdemos os valores. O projeto se enrola há muitos anos e acaba atrasando. Tivemos o esforço da entidade, dos políticos. Tivemos promessa de que seria concluído em 2022, mas foi tudo em vão, por água abaixo. Agora tem que remobilizar — enfatiza Gonçalves.
Comitê pressiona finalização do projeto
Constituído em 2015 para intensificar a mobilização, o Comitê Executivo Pró-Conclusão da Obra da BR-153 fiscaliza as análises realizadas pelas equipes técnicas do Dnit e cobra maior agilidade. Ele é formado por Universidade Passo Fundo (UPF), Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e pelos Coredes Produção e Norte.
De acordo com a presidente do comitê e reitora da UPF, Bernadete Maria Dalmolin, a expectativa é que as ações possam ser tiradas do papel após o atraso na conclusão do projeto.
— É urgente que os órgãos competentes busquem resolver os percalços burocráticos, assim como a empresa contratada atenda com qualidade os prazos estabelecidos, pois, somente assim, poder público e sociedade civil poderão respeitar as promessas feitas a partir de um anseio da própria comunidade — aponta.
Atraso em desenvolvimento econômico
A ausência de asfalto no trecho reflete em diversas situações na região norte, que vão desde o escoamento de grãos para os produtores rurais da região, logística de indústrias, comércio e serviços até a segurança e a fluidez do trânsito na RS-135.
Com várias cidades produtoras de grãos, o escoamento deve ser mais ágil. Esse é o ponto principal para o presidente da Acisa. Segundo Gonçalves, a área agrícola no trecho chega a 500 hectares agrícolas de área produtiva. Além disso, em época de safra, o presidente da entidade estima que as indústrias de Passo Fundo recebem cerca de 500 caminhões.
— É uma rodovia que pode ser estratégica para a nossa região. O escoamento da produção tem que ter maior agilidade. Passo Fundo se junta a Erechim, que nos conecta com Santa Catarina. Se pensarmos no transporte dos grãos, deslocamento de caminhões, mais os defensivos agrícolas, mão de obra, falamos em milhões de reais que são movidos nesse trecho. Deveria ser benéfico o escoamento da produção — argumenta.
Gonçalves também cita a segurança como ponto fundamental para o avanço da obra. Argumentos como possível diminuição de acidentes, redução do fluxo de caminhões e o próprio deslocamento de universitários e usuários dos serviços são apontados.
— Amenizaria, sobretudo, o tráfego e o volume de sinistros no perímetro. O que mais nos preocupa são as vidas ceifadas. Também temos deslocamento intenso de estudantes, potenciais usuários de serviços que vem do oeste catarinense e que poderiam usar essa rodovia — completa o presidente da entidade.
Acisa estuda participação em projeto de ferrovia
Um grupo de empresários e representantes da Acisa pleiteia juntamente com os municípios de Erechim e Nonoai a extensão de um projeto de ferrovia que ligaria a Região Norte do país até a Região Sul. Desta forma, o desejo é que a ferrovia faça a conexão entre Chapecó e Passo Fundo, passando por Erechim.
— É algo que estamos pleiteando, sabendo da existência desse projeto. Estamos fazendo um levantamento para que seja viável — informa Gonçalves.
Dificuldades de quem vive às margens da estrada
Produtor de soja, milho, aveia e cevada há 25 anos em Coxilha, André Juliano Antoniolli mora às margens da Transbrasiliana. Mais do que ninguém, sabe o quanto a obra é necessária.
As dificuldades de Antoniolli na sua propriedade rural são muitas: falta de segurança e fiscalização na rodovia, condições precárias sem o pavimento e custo para o deslocamento, que se torna maior.
Dono de uma frota com cerca de 10 caminhões, no período de inverno, ele precisa deixar os veículos num posto de combustível em Coxilha para seguir até Passo Fundo.
— Em tempo de chuva, deixo o caminhão em Coxilha para ir até Passo Fundo. Não tem como acessar a granja por causa do barro, das pedras. No inverno é impossível — declara o produtor rural, que afirmou já ter dado suporte a diversos caminhoneiros que tiveram veículos atolados no trecho.
Outra reclamação é quanto a falta de fiscalização na rodovia. Antoniolli denuncia que muitas pessoas utilizam a rodovia como uma rota "alternativa", já que não tem fiscalização diária.
— Muita gente "desvia" por aqui porque não existe fiscalização e policiamento. Falta segurança para quem mora nesta região — alerta.
Sem asfalto, caminhoneiros usam pouco rodovia
A dura realidade de enfrentar os quilômetros de estrada de chão da rodovia é sentida por transportadores. O líder dos caminhoneiros autônomos em Passo Fundo e região, Ângelo Alerico, conhecido como Vinagre, atua na profissão há 43 anos. Ou seja, nas mais de quatro décadas, jamais viu a Transbrasiliana sair do papel.
—Sempre teve projeto, promessas, mas nunca saiu do papel. Asfaltar a rodovia seria uma "ão na roda — enfatiza o caminhoneiro, que argumenta sobre o desafogo que a BR-285 ganharia tendo mais uma alternativa.
A reportagem de GZH transitou pela Transbrasiliana e verificou que um trecho de até dois quilômetros possui uma faixa de asfalto. De acordo com Alerico, trata-se de um "pó de asfalto".
— Tem um trecho com pó de asfalto, que nem é asfalto de verdade. A obra parou. O que foi feito ali é para amenizar um pouco o barro e a poeira —explica.
O líder dos caminhoneiros relata que a rodovia conta com um papel importante para a região, visto que são muitas fazendas localizadas às margens da rodovia, sobretudo em Ipiranga do Sul.
Além disso, ele elenca que os caminhões de nove eixos seriam os principais beneficiados com o asfalto. Segundo o caminhoneiro, o Estado cobra um valor alto de licença para rodar em determinados trechos nas rodovias estaduais.
— É uma carga mais pesada, que deve permanecer em rodovias. O pessoal que vai carregar arroz em Uruguaiana, tem que ir a Carazinho, São Miguel do Oeste para acessar a rodovia federal — completa.
A rodovia
A rodovia Transbrasiliana compreende 4,2 mil quilômetros de extensão, desde o município de Marabá, no Pará, até Aceguá, na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
No trecho entre Passo Fundo e Erechim, com 68,4 quilômetros se pavimentação asfáltica, são quase 10 municípios às margens da rodovia que sofrem os impactos de não possuírem mais uma alternativa de deslocamento.
São eles: Erebango, Paulo Bento, Jacutinga, Quatro Irmãos, Ipiranga do Sul, Estação, Getúlio Vargas, Sertão e Coxilha.