Agiu no sentido certo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, na semana passada, ao tomar duas decisões que, uma vez rigorosamente observadas, dificultarão bastante a opacidade no manejo do dinheiro público pelo Legislativo. A transparência no repasse de recursos recolhidos junto aos contribuintes é preceito básico da República. Este princípio, no entanto, vinha sendo contornado pelo Congresso com os subterfúgios que passou a usar para deputados e senadores distribuírem verbas por meio de emendas. São os casos do chamado orçamento secreto e das emendas Pix, que contêm obstáculos para a sociedade saber quem as apadrinhou e a finalidade do uso dos recursos, por exemplo.
Os brasileiros devem ter assegurado o direito de saber em detalhes como os recursos de seus impostos são usados
Em uma das decisões, em caráter liminar, Dino atendeu a pleito da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e determinou ao governo e ao Congresso ampla publicidade às transferências por emendas Pix, com fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU). O escrutínio inclui repasses anteriores. Indicou ainda critérios para novas liberações, como forma de conferir racionalidade às despesas, que devem passar a ser rastreáveis. Espera-se que o plenário da Corte confirme o entendimento. A força do colegiado é importante.
Emendas Pix é como são chamadas as emendas individuais que repassam recursos do orçamento da União sem a indicação de destino e emprego do dinheiro. Isso dificulta a fiscalização e abre brechas para a malversação. Fere, portanto, princípios constitucionais como os da publicidade, da moralidade e da eficiência, já que também não se consegue aferir o emprego, mesmo quando há boa-fé.
No outro caso, sabia-se que o Congresso estava driblando a decisão do STF de 2022 de acabar com as emendas de relator, popularmente batizadas de orçamento secreto. Os repasses foram transferidos para as emendas de comissão e a farra continuou. A decisão de Dino se deu no âmbito de um processo de conciliação entre governo, Congresso e órgãos de controle que discutia a burla da decisão da Corte que considerou o mecanismo inconstitucional. O ministro determinou que as informações sobre indicação e destino das emendas sejam centralizadas, transparentes e de fácil fiscalização.
As emendas se converteram na forma de o Congresso se assenhorar de maiores fatias do orçamento. As duas modalidades em questão também se tornaram um instrumento de poder para as lideranças do parlamento, pela distribuição de verbas conforme interesses políticos. Não é de se duvidar que surja alguma inconformidade. O orçamento secreto foi criado no governo Jair Bolsonaro, mas a gestão Luiz Inácio Lula da Silva, sem base consistente, assistiu inerte à manobra para mudar a forma de pagamento. O orçamento de 2024 prevê R$ 44,67 bilhões em emendas, sete vezes o valor de uma década atrás. Os brasileiros devem ter assegurado o direito de saber em detalhes como os recursos de seus impostos são usados.