Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), calculado pelo IBRE/FGV, apontou melhora no mês de agosto. Esse índice é composto por duas dimensões: uma que capta a percepção da situação atual e outra que capta as perspectivas futuras dos entrevistados. Para perspectivas futuras (próximos 6 meses), o índice apresentou avanço consistente, equiparando o sentimento que o consumidor tinha no início de 2020. Já para a percepção do momento, ainda que tenha avançado um pouco, o nível está inferior ao pré-pandemia, indicando que persiste uma leitura mais desfavorável para a situação econômica e das finanças familiares.
A evolução mais robusta nas perspectivas futuras pode estar associada a melhorias recentes no mercado de trabalho, melhor situação da pandemia e seus desdobramentos, o que tende a estimular mais otimismo sobre o futuro próximo, uma vez que atravessamos uma conjuntura altamente desafiadora. Porém, os incrementos menos marcados para a avaliação da situação atual indicam que temos questões ainda pendentes para hoje, que claramente preocupam as pessoas.
Os números mais básicos da nossa conjuntura socioeconômica atual corroboram, pelo menos parcialmente, essa perspectiva
Os números mais básicos da nossa conjuntura socioeconômica atual corroboram, pelo menos parcialmente, essa perspectiva. A situação da taxa de desemprego vem melhorando, de fato. Hoje, temos uma taxa de desocupação de 9,1%; no mesmo período do ano passado, essa taxa era de 13,7%. Ainda que possa haver discussão sobre o perfil das ocupações conquistadas, trata-se, sem dúvida, de uma boa notícia.
No entanto, a renda do trabalhador, a despeito de leves aumentos nos últimos meses, ainda está cerca de 5% mais baixa do que era antes da pandemia. E associada a uma renda deprimida, a inflação segue pressionando: segundo o Dieese, a cesta básica de Porto Alegre está quase 50% mais cara hoje do que no início de 2020. Em janeiro de 2020, eram necessárias 106 horas de trabalho para comprar essa cesta; hoje, se trabalham 136 horas (28,3% a mais), numa clara demonstração da deterioração do poder aquisitivo do salário.
Assim, ainda que alguns resultados sejam de fato bons, o contexto é bem mais complexo do que estatísticas isoladas possam sugerir. É necessário que a elevação da ocupação venha acompanhada de incremento consistente da renda e de um cenário de preços que não derreta as perspectivas de consumo. Temos um longo caminho pela frente!