Veio das urnas norte-americanas o recado claro de que o modelo de política baseado no confronto e na divisão começa a mostrar sinais de fadiga. Mais do que a derrota do republicano Donald Trump e seu estilo belicoso, o resultado da eleição presidencial na mais sólida democracia do mundo indica um significativo movimento no pêndulo da História. O triunfo de um candidato da ala moderada do Partido Democrata, que terá 78 anos no dia da posse, mais maduro, ponderado e experiente, significa um refluxo no ímpeto conflitivo que vinha, até aqui, pautando o debate nos Estados Unidos e transbordando de lá para vários outros países, entre eles o Brasil.
A polarização extrema aumenta exponencialmente a largura dos abismos, tornando impossível a sustentação das pontes que mantêm o fluxo do oxigênio democrático
Não se trata de defender um modelo insípido e desprovido de tensões, que são necessárias à democracia, desde que atuem no sentido da construção coletiva e não apenas de destruição de adversários transformados, equivocadamente, em inimigos. Se a radicalização se mostrou útil em um determinado momento como ferramenta de vitória eleitoral, a mesma lógica se revelou ineficaz para governar.
A polarização extrema, como mecanismo que impõe uma dinâmica social própria, só serve a ela mesma, porque se retroalimenta e, com isso, aumenta exponencialmente a largura dos abismos, tornando impossível a sustentação das pontes que mantêm o fluxo do oxigênio democrático entre as várias partes do sistema garantidor da coesão social.
Apontar inimigos, muitas vezes imaginários, e apenas centrar as forças contra eles nada mais é do que manobra diversionista que tenta isentar um grupo político ou um indivíduo detentor de poder do compromisso com soluções práticas para problemas reais. O embate de ideias, dessa forma, dá lugar a uma prática nefasta, a desconstrução e a desqualificação do outro, transformando a política, que é a arte de amalgamar consensos, no oposto disso.
Assistiu-se no Brasil, nos últimos anos, à preponderância de escolhas contra A ou B, contra isso ou aquilo. Numa democracia, saber o que não se quer é fundamental, assim como a crítica e condenação de práticas escusas. Mas isso não basta. A cidadania é mais do que massa de manobra que apenas chancela o que combina com determinado carimbo, forjado unicamente pelo antagonismo. Para onde se quer ir? Essa é a resposta à qual serve o voto. E é essa possibilidade de escolha luminosa que faz a razão de ser da democracia.