Herança da época de redemocratização, a associação entre eleição e festa já cumpriu seu papel histórico. De fato, na década de 80 do século passado era assim, depois de tantos anos de privação de liberdade. O movimento Diretas Já, mobilização popular que exigiu eleições livres, transbordou de gente as ruas e as praças do Brasil, inspirando o grito e as lágrimas cívicas de multidões. Entre avanços e solavancos, continuamos a aprender desde então.
O voto livre, consciente e pensado é a argamassa que dá sentido e consistência ao edifício da cidadania
Com o passar do tempo, a dimensão racional do voto precisa ser mais valorizada. Não é necessário, para isso, abrir mão de sentimentos nobres de patriotismo e cidadania, ou mesmo da emoção advinda do ato de votar. Trata-se, aqui, de um convite ao reequilíbrio das variáveis, dando mais ênfase à análise de propostas e de capacidades, mas, principalmente, da viabilidade dos caminhos indicados para realizá-las.
A passionalidade exagerada da política é nociva à democracia e aos interesses do país. Se o ato de votar tem uma dimensão que convida à celebração, é importante lembrar que a escolha dos nossos representantes nos governos e nos parlamentos é, acima de tudo, um momento de gravidade e de reflexão. Estamos escolhendo gestores que lidarão com temas complexos, como orçamento, legislações, relações humanas e ética, tudo isso potencializado pelos enormes desafios advindos de uma pandemia que deixará sequelas profundas nos municípios, protagonistas da eleição que se inicia neste final de semana e que, em 95 cidades do Brasil, poderá chegar a um segundo turno.
No sentido do resgate da sobriedade do voto, a legislação brasileira vem evoluindo nos últimos anos, apertando o cerco contra abusos de poder econômico e contra a corrupção, expressa tantas vezes na compra de votos e na troca de favores em busca de fatias espúrias de poder. Nesse contexto, é justo e necessário ressaltar o papel da Justiça Eleitoral, guardiã da credibilidade do processo e de seus resultados. Mesmo que teorias conspiratórias continuem sendo espalhadas, é consenso planetário que a urna eletrônica brasileira é altamente segura e confiável. Bem mais, por exemplo, do que o confuso processo eleitoral da maior democracia do mundo, os Estados Unidos da América.
A democracia não é obra pronta, e sim construção coletiva. O voto livre, consciente e pensado é a argamassa que dá sentido e consistência ao edifício da cidadania. Sem ela, basta uma leve brisa para que a aparente fortaleza desmorone. Que cada brasileiro e cada brasileira que saia para votar volte para casa com a consciência serena pela sua escolha. O voto não é delegação, mas compromisso de cada um com o futuro de todos.