Por Valéria Dorneles Fernandes, doutora em História pela UFRJ. Desenvolveu tese de doutorado abordando as infestações de gafanhotos Schistocerca cancellata na América do Sul
Para os impressionáveis, os gafanhotos que estão sobrevoando a América Latina são os sinais apocalípticos. Para os céticos, apenas um movimento migratório. Entretanto, retomam a pauta do aquecimento global e demonstram que a história do mundo biofísico acontece mutuamente entre humanos e outros organismos.
Este gafanhoto é da espécie Schistocerca cancellata (Burm. 1850). O gafanhoto migratório tem como característica a mudança de fases: na fase de remissão, eles se mantêm isolados uns dos outros e sedentários. Havendo uma mudança ecológica que favorece a sua reprodução, eles, ao atingirem uma maior densidade populacional, mudam para a fase migratória. O principal fator ecológico que favorece a sua reprodução são as mudanças climáticas no seu habitat. Atualmente, como um efeito direto do aquecimento global, desde o ano de 2015 tem sido observado o aumento da população da Schistocerca cancellata na América. E 2020 é o ano onde este fenômeno tem se manifestado significativamente, sendo a África atingida por constantes infestações de gafanhotos e agora a América do Sul.
Os primeiros registros de gafanhotos Schistocerca cancellata na América do Sul datam de 1700. Com a expansão da fronteira agrícola no pampa, no século 19, os gafanhotos passaram a ser considerados um problema. O período entre 1897 e 1952 foi marcado por constantes infestações de gafanhotos em Argentina, Uruguai, Brasil, Bolívia e Paraguai. Durante as infestações de 1930, os gafanhotos devastaram as plantações levando a um grande desemprego e fome da população rural na Argentina, que também sofria o impacto econômico da Grande Depressão. No Brasil, como as mais atingidas foram as populações pobres com agricultura de subsistência no sul do país, e não as agriculturas exportadoras, o governo federal não organizou uma linha de defesa. Apenas em 1946, quando os gafanhotos quase atingiram o Estado de São Paulo, é que o governo federal organizou uma estratégia de defesa.
As infestações de gafanhotos passaram a ser eliminadas a partir da década de 1950, com o uso intensivo de químicos do avião. Apenas anos mais tarde é que o impacto ambiental dos químicos passou a ser avaliado e questionado.