Por Eduardo Neubarth Trindade, presidente do Cremers
Esse parece ser o pensamento de todas as esferas de governo no Brasil quando vemos a dificuldade que os médicos têm para se fixar no interior. Em todos os estados, existe uma concentração altíssima de profissionais nas capitais e pouca distribuição em municípios menores. Isso acontece porque médicos não valem a pena.
Nos mais recentes concursos com vagas para médicos, o que se vê não é um esforço do gestor público em cuidar da saúde de sua população. Ao contrário: é tentar resolver de forma barata, rasa e pouco responsável um problema muito anterior, mais profundo, sistêmico. É tentar fazer com que o médico seja responsável por uma tarefa para a qual nem todo o treinamento do mundo é capaz de treiná-lo – substituir uma rede inteira de atendimento. Isso é um reflexo de que, para o gestor, o médico não vale a pena.
Quando oferece uma posição em que o médico só poderá contar com um estetoscópio e uma maca, sem garantia de exames, sem uma rede de referência, sem equipe multidisciplinar, sem colegas com quem discutir os casos, sem UTI, hospital, às vezes nem mesmo uma ambulância (e com um salário totalmente incompatível), o gestor grita em altos brados que o médico não vale a pena.
A solução para reverter esse quadro é a criação de um plano de carreira para os médicos no SUS. Funciona assim no judiciário, e não vemos reclamações de que faltem juízes no interior. A perspectiva de estabilidade e crescimento na profissão é fundamental para a interiorização do médico. Mas acima de tudo, é fundamental a certeza de não sofrer pressões dos representantes do Poder Executivo que estejam momentaneamente no poder, tendo a liberdade de tomar decisões clínicas que possam desagradá-los, mesmo que para o bem dos pacientes. Fazendo parte de um sistema maior, o médico tem sua autonomia garantida.
O poder público insiste que o trabalho do médico é simples, qualquer um pode fazer, que médicos não valem a pena. Até quando vamos deixar que a população acredite nisso?