Por Marcelo Träsel, jornalista e professor da UFRGS
Não sou engenheiro, geólogo ou biólogo. Tampouco sou ambientalista. Exerço apenas a autoridade de pai preocupado com o futuro de sua filha, caso a mina de carvão ao lado de Porto Alegre se concretize.
Os engenheiros e executivos podem nos prometer a observação dos mais estritos protocolos de segurança, mas, embora a mina e a planta carboquímica possam até não poluir ou sofrer acidentes, ainda vão extrair do solo milhões de toneladas do combustível mais poluente em uso pelos seres humanos. A transformação do carvão em gás não elimina magicamente os efeitos nocivos do CO2. Mesmo se o gás não for usado em termelétricas gaúchas, precisamos nos lembrar de que a atmosfera da Terra é a mesma aqui ou na China. Seja onde for queimado o combustível, serão toneladas e mais toneladas de gases do efeito estufa liberados ao longo dos anos, quando o planeta já se encontra agora mesmo dançando à beira do abismo climático.
Hoje, o local previsto para a cava da mina é ocupado por um grupo de pequenos agricultores que participam da maior rede de produção de arroz orgânico do Brasil. As 50 famílias produzem cerca de 3 toneladas do grão por ano, além de plantarem hortaliças para venda em feiras agroecológicas de Porto Alegre. Caso a mineração seja permitida, essas famílias vão perder suas casas e o conhecimento acumulado sobre o clima e o solo da região. Talvez nunca voltem a plantar arroz, porque não se encontra um terreno propício ao cereal em qualquer lugar. Mesmo após o fim da operação, o local nunca mais poderá ser usado para a agricultura orgânica. Porto Alegre vai perder um fornecedor de alimentos de qualidade na vizinhança e terá de trazer comida de longe, gerando ainda mais emissões de CO2.
Embora não seja engenheiro, geólogo, agrônomo ou ambientalista, mas apenas um pai, tenho acompanhado as notícias sobre o desastre climático iminente e estou convencido do seguinte: se a humanidade prosseguir queimando combustíveis fósseis, 3 toneladas de arroz vão ser muito mais valiosas em 2050 do que centenas de milhões de toneladas de carvão. Afinal, carvão não se come.