As denúncias por parte de centenas de mulheres que afirmam terem sido molestadas sexualmente pelo médium João Teixeira de Faria, conhecido como João de Deus, chamam a atenção pela coragem das vítimas em expor os abusos e, ao mesmo tempo, pela demora das autoridades em tomar providências. Assim como ocorreu em outros casos notórios nessa área – o mais conhecido dos quais, até agora, era o do médico Roger Abdelmassih –, depoimentos como os revelados inicialmente pelo programa Conversa com Bial, da TV Globo, e pelo jornal O Globo foram decisivos para a formalização de denúncias em série, que resultaram na prisão do acusado.
Crimes sexuais envolvem sentimentos como o de vergonha, culpa e medo de não receber a devida atenção. É o que leva muitas vítimas, na maioria das vezes, a optarem pelo silêncio. A preocupação é ainda maior quando estão envolvidas, de um lado, pessoas em situação de vulnerabilidade, buscando ajuda física e espiritual e, de outro, um mito conhecido até no Exterior por alegadas "curas". Ainda assim, e como já havia denúncias anteriores, é lamentável que o líder espiritual tenha agido impunemente por décadas na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), mesmo seguindo um mesmo padrão, relatado por vítimas que não se conhecem.
A demora, levando muitos casos a prescreverem, e o fato de o acusado ter hoje 76 anos, o que serve de atenuante, dificultam maior rigor na punição. Ainda assim, é preciso que as investigações se aprofundem e que todos os envolvidos, do acusado às vítimas, possam contar com os canais institucionais adequados para se manifestar. Abusos contra as mulheres só terão fim quando seus depoimentos puderem ser ouvidos de forma respeitosa e com seriedade, facilitando a punição exemplar dos transgressores.
Nesse aspecto, é promissor que a futura ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves – que admite ter sofrido abuso na infância –, venha reiterando a intenção de trabalhar em defesa da vida de mulheres e crianças. Em recente entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, a indicada para integrar o primeiro escalão do governo Jair Bolsonaro comprometeu-se em enfrentar essa deformação, mandando um recado para pedófilos e estupradores: "A brincadeira no Brasil acabou".
Para entrar na modernidade, o país precisa acabar com as agressões contra as mulheres. A taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo. Nos primeiros dias de dezembro, o Rio Grande do Sul registrou quatro casos em menos de 48 horas. As estatísticas de violência sexual envergonham e exigem uma profunda e inadiável mudança cultural.