Guy Debord, ao definir o espetáculo como uma relação social entre pessoas mediada por imagens, diz também que ele é uma Weltanschauung (visão de mundo) que se tornou efetiva, materialmente traduzida, uma visão de mundo que se objetivou dentro do contexto das condições modernas de produção. A cidade e os seus espaços de exclusão são a expressão material da ideologia capitalista que consagra concentrações e centralizações. Ela é também o cenário que dá sentido à interpretação da pichação como evidência de um processo sistemático de segregação. Dessa forma, a pichação atua como uma assinatura simbólica das dinâmicas de exclusão socioespacial, bem como revela um afastamento do verdadeiro potencial participativo do qual a cidade poderia ser um grande agente segundo a teoria do direito à cidade.
Aumento na vigilância ou a elevação do valor das multas, no entanto, não têm efetividade
Nos últimos anos, a pichação esteve em destaque nas pautas artísticas em razão de ações performadas por Rafael Augustaitiz e Cripta Djan no ano de 2008, sendo a mais famosa a intervenção na 28ª Bienal de São Paulo. Depois disso, surgiram convites para a participação em eventos como a mostra Né Dans la Rue (Nascidos nas Ruas), realizada pela Fondation Cartier de Paris. A 7ª Bienal de Berlim (2012) e a 29ª Bienal de São Paulo (2010) também estão entre os eventos do campo da arte que se interessaram em discutir o pixo tendo como eixo comum o debate entre arte e política. Os curadores da bienal paulistana Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos explicam que não se trata da política unicamente como prática parlamentar ou ativismo social, mas, sim, como uma prática que "é capaz, ao articular opacidade e inteligibilidade discursiva, de desafiar modos já estabelecidos de entendimento do mundo".
Nesse ponto, vale ressaltar a complexidade de questões como patrimônio e memória coletiva, simbolizadas em alguns monumentos que têm sido alvo de ressignificações políticas. Alguns exemplos contundentes ocorridos nos Estados Unidos por volta de 2013 tiveram como alvo vários bustos dedicados a Cristóvão Colombo. Alguns deles amanheceram com a frase "black lives matter" (vidas negras importam), inspiradas no movimento homônimo. O que está explícito nesses protestos é a constatação de que, como sociedade, o genocídio e a escravidão colonial não nos incomodam, pois fazemos homenagens àqueles que personificam esse momento histórico.
Por outro lado, o tema da pichação sob a ótica do discurso midiático repressivo reacendeu-se ultimamente no contexto paulistano, através da implementação do programa "São Paulo Cidade Linda". Uma das atividades do programa compreende o apagamento de pichações e grafites (muitos deles autorizados pela própria prefeitura) através da aplicação de camadas de tinta cinza ou branca. É constrangedor notar que o programa divulgue entre suas ações a abordagem a pessoas em situação de rua como uma ação de "limpeza".
Ações como essas são implantadas em diversas cidades do país e do mundo desde o final dos anos 70. O aumento na vigilância ou a elevação do valor das multas, no entanto, não têm efetividade, pois não agem na questão de fundo, que exigiria um debate muito mais profundo sobre os usos sociais do espaço, gentrificação e apropriação privada dos espaços públicos.